Sudoeste: O Novo Cinema Novo

Clarice precisa viver toda sua vida em apenas um dia.
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Salmerón · São João del Rei, MG
23/1/2013 · 3 · 0
 

O filme “Sudoeste†(2011), exibido ontem em sessão-homenagem na 16ª Mostra de Cinema de Tiradentes, é um desafio aos espectadores. Desafia, primeiramente, a capacidade de assimilação de novas formas de linguagem dentro da própria linguagem cinematográfica. Desafia, ainda, a resiliência intelectual de cada um, já que sua narrativa é complexa e ao mesmo tempo extremamente sutil. Portanto, não se trata de uma obra que busca sucesso em indivíduos culturalmente sedentários.

A trama que se desenrola ao longo do filme é a seguinte: Clarice (Simone Spoladore), que aparece nos primeiros minutos de filme morta na cama com um bebê em seu ventre, renasce dentro da própria criança que gerou. Contudo, ela passa por todas as fases de sua vida novamente durante um único dia. Para completar, as pessoas que faziam parte de sua vida e que a encontram durante essa confusa jornada encaram tudo que está ocorrendo apenas como mais um dia – e ela, como uma estranha recém-conhecida.

Aos que se comprometem à aceitar o desafio proposto pelo diretor Eduardo Nunes – famoso por seus curta-metragens – está a recompensa de testemunhar uma obra seminal do novo cinema novo. Logo de início a fotografia espanta por toda a sua exuberância em preto e branco, gerida por Mauro Pinheiro Jr. A sensação estética representa aquila que poderia ser sentida ao entregar a Sebastião Salgado uma filmadora e um roteiro: as sombras, realçadas pela ausência de cores coloridas, parecem cair perfeitamente sobre cada ruga de expressão dos atores, formando a cada cena um primoroso retrato em movimento.

A forma também como as lacunas abertas durante o início do filme são preenchidas, e as reverberações dos próprios acontecimentos do filme, são apresentadas em níveis graduais de sutileza. Detalhes milimétricos na composição cenográfica, diálogos que vagamente remontam a situações ocorridas e referências internas formam uma base frágil onde se sustenta o filme. Vários elementos que podem parecer desconexos aos olhos menos treinados ou mais descomprometidos se equilibram sob um fio de cabelo. Mas a quem nutre verdadeira admiração pela sétima arte, resta apenas o fascínio pela façanha narrativa, linguística e estética trazida por Sudoeste.

Produção

Com orçamento modesto (um milhão de reais), o projeto foi levado adiante graças a um edital do MinC (Ministério da Cultra) para longa-metragens de baixo custo, além ainda de auxílio da Fundação Hubert Bals, na Holanda. O trabalho se concretizou após cerca de dez anos após a finalização do roteiro, escrito pelo diretor Eduardo Nunes em parceria com Guilherme Sarmiento. A produção ficou por parte de Patrick Leblanc, da Superfilmes (Casa de Alice, Memórias Póstumas).

De acordo com Patrick, a filmagem foi feita ao longo de cinco semanas, na região de Salinas. Ele afirma ainda que assistir a Sudoeste é uma experiência quase contemplativa: “quem assiste ao filme tem que estar disposto a encarar o que está sendo proposto. Nós não produzimos ele pensando no grande público, nem em ser sucesso de vendas. Mas esse tipo de obra é importante para o cinema brasileiroâ€. Ele completa ainda: “geralmente nós somos programados para esperar certos códigos em um filme. Mas esse é um filme que busca quebrar esses códigos e apresentar outros novos, então é preciso manter a mente aberta para poder assisti-loâ€.

Festival de Cannes

De acordo com o produtor, Patrick Leblanc, uma cópia do filme chegou a ser enviada para o Festival de Cannes, na França. De acordo com ele, por pouco a obra não foi aceita: “Enviei uma cópia em 35mm para a seleção. (…) O filme quase entrou, ficou ali [na seleção] até a última hora. Mas para entrar em Cannes você precisa de um “sales agentâ€, um agente de vendas. Eles que conhecem os diretores de cada festival. (…) Se você não tem um agente, e chega lá só como produtor, fica muito complicadoâ€.

Apesar de não ter entrado na exibição em Cannes, o filme recebeu o Prêmio Andrei Tarkovski no Festival de Zerkalo, na Rússia e os prêmios de Melhor Filme de 201, Melhor Fotografia e Especial do Júri no Festival de Cinema do Rio. Foi ainda exibido em mais de 20 países, como Cuba, Canadá, França e Holanda.

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