Não houve nem sombra de terça-feira gorda neste lado da estação ferroviária de Marechal Hermes, onde morei nos meus primeiros quarenta e cinco anos de juventude. Para que não se diga que estou exagerando, vi um bate-bola bastante desanimado no abrigo de ônibus próximo ao Teatro Armando Gonzaga, com a máscara de pano puxada para o alto da cabeça e a bexiga murcha. Como eu ia passando, ainda assoviei “Ãndio quer apito†para ver se o desconsolado folião dava uns pulinhos sem compromisso, mas não funcionou.
Com o comércio de portas arriadas por aqui, seis horas da tarde, a dolorosa impressão de bairro-fantasma era atenuada apenas pela presença de um grupo de mendigos no canteiro do jardim defronte à igreja católica e um casal de namorados num banco da praça do teatro.
Curioso. Um casal de namoradas todo mundo entende, são duas mulheres que se amam. Mas como, em nossos tempos, dizer um casal de namorados sem cair na ambigüidade? Nessa, a lÃngua portuguesa continua dançando.
Se um estivesse de pierrô e o outro de colombina, teriam certamente resolvido o falso problema do cronista palpiteiro, em seus devaneios rousseaunianos de passeador solitário. Mas a grande verdade é que homossexuais saudavelmente assumidos têm horror a essa divisão de papéis ditada ou sonhada, em última instância, pelo preconceito burguês (ou pequeno-burguês, como queiram).
Reparei que os mendigos ali perto — homens, mulheres e crianças — estavam se divertindo um bocado com o namoro dos dois; os mais embriagados faziam cara de nojo para logo em seguida explodir numa gargalhada. Ou prorrompiam numa grande vaia sempre que o par romântico entregava-se a um longo e esfomeado beijo de lÃngua. Mas depois se cansaram da platéia inconveniente, e foram embora assim que um microônibus apontou à esquina da rua Gravatá.
Segui meu caminho. Lá em casa pelo menos estava mais animado, com minha mãe cuidando de uma coisa ou outra na cozinha e levando à capela os sambas-enredo da Vila Isabel ou, para agradar ao cronista, do Império Serrano: “Imperiano de fé não cansa / Confia na lança do Santo Guerreiro...â€
Evoé!
ebaa gostei muito.. acho que a lÃngua portuguesa não previa certas'' mudançascasalÃsticas''... ou quem é antiquado na verdade? '' o casal'' os mendigos, eu e vc?
Lubixana · Goiânia, GO 26/6/2006 22:51Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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