Utopia no nariz, sonho na veia e tatuagem na alma

Divulgação
Preso e torturado, Frei Tito/Caio Blat suicidou-se aos 30 anos em Paris, em 1974
1
Luciano Sá · Fortaleza, CE
27/4/2007 · 114 · 0
 

O escritor Frei Betto e o cineasta Helvécio Ratton participaram da edição mais recente do programa Troca de Idéias, realizada no último dia 13, no auditório do Centro Cultural Banco do Nordeste-Fortaleza.
Circunscrito ao evento multimídia ABRIL LEITURA, que abrange um elenco de 53 atividades voltadas para a apreciação e difusão da leitura no decorrer deste mês, o debate também integrou a programação da pré-estréia nacional do filme “Batismo de Sangueâ€, de Helvécio Ratton, inspirado no livro homônimo escrito por Frei Betto, vencedor do Prêmio Jabuti de melhor livro de memórias em 1983. Realizado pelo Instituto Frei Tito de Alencar, o lançamento da película em Fortaleza teve patrocínio do BNB.
O livro e o longa-metragem narram a participação dos freis dominicanos na luta contra a ditadura militar no Brasil nas décadas de 1960 e 1970. No filme, o ator Caio Blat vive o Frei cearense Tito de Alencar, torturado e morto no exílio em Paris aos 30 anos de idade, em 1974. Junto com Frei Betto e Helvécio Ratton, o Frei Fernando de Brito – contemporâneo de Frei Betto e também personagem do filme – participou do debate.

A perversidade dos torturadores
Com bom humor, Frei Fernando inicia o debate revelando que há uma vantagem imensa quando se está preso. “São simplesmente 24 horas por dia para pensar maneiras eficazes de burlar a repressão. Uma dessas maneiras era dobrar mensagens escritas em pequenos papéis, enfiá-las dentro de canetas Bic (“aquelas de cor laranja com tampa azul, não as transparentesâ€) e trocar de canetas com os amigos e familiares que vinham nos visitar na prisão: assim o fluxo de informações e novidades sobre as pessoas queridas e sobre a nossa luta seguiam e chegavam até nósâ€.
Frei Betto relembra que Frei Tito foi torturado em dois momentos: “a primeira vez, logo ao ser preso em novembro de 1969, e a segunda em fevereiro de 1970â€. Ele analisa o suicídio de Frei Tito: “simbolicamente, a morte do Frei Tito foi um modo de anular a perversidade dos torturadores introjetada em sua mente e alma; sua auto-eliminação também foi uma maneira de libertar seus companheiros de luta, familiares e amigos de tantas torturas e perseguições da ditadura militarâ€.
Muito emocionada, sentada na primeira fila, a educadora Nildes de Alencar Lima, irmã de Frei Tito, se levanta e rebobina o breve período – breve por imposição da ditatura – em que o visitou no exílio em Paris: “minha maior mágoa da ditadura foi não ter podido ficar todo o tempo possível com o meu irmão em Paris. Ali, eu vi como meu irmão estava abandonado e desnorteado, sem entender o porquê de seu próprio sofrimento, e senti que ele ia morrer – embora não pudesse prever que seria morte por suicídioâ€.

A divina proteção do Espírito Santo
Sobrevivente à tortura, Frei Fernando eleva à realidade supra-sensível o motivo de uma legião de oprimidos ter suportado e superado as chagas da tortura: “como é que a gente agüentou? A única coisa que eu posso dizer é que foi por causa da proteção do Espírito Santo. Foi Deus quem quis assim. Ninguém sozinho teria autocurado as lesões – físicas e psicológicas – advindas de tanta crueldadeâ€.
Para reproduzir com máximo realismo as cenas de tortura, o diretor do filme, Helvécio Ratton, chegou a contratar um especialista mexicano que ensinou aos atores como representar movimentos de agressão física sem se machucar, porém impactando fortemente o público. “Dizem que de tortura nem é bom falar, mas penso o contrário: para que ela nunca mais aconteça, o melhor é falar dela, e mais que isso, mostrá-la: é isso o que o filme fazâ€, salienta o cineasta.
Um jovem da platéia pergunta: “qual a diferença entre os jovens de hoje e os jovens das décadas de 1960/70?â€. Frei Betto, 25 anos de idade em 1969, responde taxativo: “a diferença era que nós cheirávamos utopia, injetávamos sonho na veia e gravávamos tatuagem na almaâ€. Mas abre espaço para autocrítica: “nosso erro é que atuávamos em nome do povo e não com o povo; faltaram bases populares que respaldassem o movimento jovem da nossa geraçãoâ€.

OBS.: Matéria originalmente publicada no jornal Notícias do BNB, na página 4 da edição nº 17, de 23 de abril de 2007. Com periodicidade semanal e tiragem de 7 mil exemplares, o Notícias do BNB é o boletim institucional do Banco do Nordeste do Brasil. Pode ser lido no Portal do BNB.

compartilhe

comentários feed

+ comentar

Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.

filtro por estado

busca por tag

revista overmundo

Você conhece a Revista Overmundo? Baixe já no seu iPad ou em formato PDF -- é grátis!

+conheça agora

overmixter

feed

No Overmixter você encontra samples, vocais e remixes em licenças livres. Confira os mais votados, ou envie seu próprio remix!

+conheça o overmixter

 

Creative Commons

alguns direitos reservados