À imagem de Narciso (parte I)

Caravaggio
1
Hélio Filho · São Paulo, SP
15/3/2007 · 22 · 1
 

Ao norte da Hungria havia um bosque, cheio de enormes árvores e repleto de várias espécies de flores e animais. Um lugar que parecia ter sido feito sob medida para os diferentes tipos de espíritos que ali habitavam.

Com o chão forrado de folhas douradas, esta esplêndida reserva natural tinha apenas um habitante humano: Narciso. Um rapaz vistoso, inteligente e dono de uma beleza jamais vista antes. Ao longo de toda a sua vida, o solitário morador se perguntou inúmeras vezes sobre sua origem. Incapaz de recordar seu passado, ele se contentava em estar em paz, isto era o mais importante.

Tratava o bosque como a um filho, tendo-o, várias vezes, como seu conselheiro. Isolado dos outros humanos, sozinho e sem passado, o jovem criou o seu próprio estilo de vida: pela manhã, juntava os galhos secos caídos de seu pé de eucalipto e com os quais acendia seu fogão à lenha; à tarde passeava pelo seu mundo próprio, conversando com as árvores e brincando com os animais. Ao anoitecer, costumava subir a montanha que havia atrás de seu chalé, onde contemplava as estrelas por horas intermináveis. Certa tarde, sem perceber, Narciso desviou-se de seu habitual caminho e deparou-se com uma paisagem desconhecida.

Hesitou em continuar, mas a curiosidade é a mola propulsora da satisfação pessoal, por isso, decidiu continuar sua caminhada por este novo e fascinante cenário. Percebeu, então, que estava no lugar mais ermo que já havia visto. Uma escuridão cobria toda a paisagem, as árvores eram secas e pareciam estar prestes a atacar o primeiro que ousasse tocá-las. Ao fundo, podia-se ouvir um tranqüilizante barulho de corredeiras, advindas de um pequeno riacho de águas turvas que percorria toda a floresta.

Não existiam animais ou plantas, então o casmurro habitante sentiu-se emocionalmente caquético. Quando um novo mundo é revelado, ele pode causar espanto, repugnância. Mas ele queria saber mais sobre aquele lugar frio, sujo, decadente. Por um segundo jurou a si mesmo que exploraria o lugar rapidamente, logo depois refletiu e achou melhor conhecê-lo por partes, observando-o minuciosamente.

Primeiramente foi analisar as árvores, comparou-as com seus olhos secos e ariscos. Após, dirigiu-se à uma fileira de rochas e, sentado em uma delas, percebeu que eram geladas, que nunca haviam sido iluminadas pela luz solar, eram escuras e frias como o seu coração.

Logo ao lado, escondido entre pequenos arbustos, encontrou um objeto multicolorido e de forma abstrata, comparou-o com sua alma complicada e misteriosa. Por último - como que propositalmente - foi conhecer o riacho. Chegando à margem, percebeu que a água ficara cristalina, como seus pensamentos.

Aproximou-se com cuidado daquele desconhecido espetáculo da natureza. Notou que a água corria de forma ininterrupta, foi então que a comparou com sua vida. Viu que, como o riacho, ele estava sempre seguindo um caminho, perseguindo um ideal. Pensou que poderia mudar o rumo do riacho, enganou-se. Horas depois, teve um momento epifânico, tudo lhe parecia claro agora. Ainda olhando o riacho, concluiu que o rumo de sua vida já estava traçado, não poderia muda-lo, teria apenas que aceitar.

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informações

Autoria
Hélio Filho
Ficha técnica
Como existe um limite de caracteres, publicarei a parte II logo em seguida. Esse conto foi escrito em uma noite estrelada de insônia, quando os astros me inspiravam com sua eternidade e superioridade.
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Livia Vianna
 

muito bonito tudo isso ... li a parte II então agora entendi ... vc é minuncioso....

Livia Vianna · Cuiabá, MT 16/3/2007 01:09
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