A Rainha dos Borracheiros.

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Salmerón · São João del Rei, MG
31/3/2009 · 53 · 1
 

A viagem tinha sido tensa. Não aquela tensão natural de viagens de carro, essa foi realmente escrota.

Tal tensão é, creio eu, inevitável quando se trata de viagens muito longas. Esse clima pesado é inerte à situação – é impossível ficar quatorze horas num carro sem que haja constrangimento.

- Porra Anderson! Encosta essa merda e pede informação!

- Mas que merda Andressa! Já falei que eu sei pra onde eu estou indo!

- Sabe o caralho! Larga de ser filho da puta e pergunta logo alguém!

Viu? Esse é o tipo de constrangimento do qual falei, aquele inerte às longas viagens. Enfim.

- Puta que pariu Andressa! Bem que minha mãe avisou que eu não devia ter ficado com você! Vai tomar no seu CU!

- Quer saber? Vai se fuder. VAI SE FUDER!

(...)

Eu explico a situação. Eu conheci a Andressa num bar em Niterói, e acabei gostando dela. Trepada vai trepada vem, nós acabamos namorando e indo morar juntos.

Minha querida mãe foi contra desde o início, e eu devia ter escutado ela. Bem que ela falou que ela não era flor que se cheirasse. É uma santa, minha mãe. Mulher pura, dócil e muito, muito bem prendada.

Mamãe era daquelas católicas fervorosas, que iam à igreja todos os domingos, e estava sempre ajudando na paróquia.

Logo que juntei os trapos com a Andressa, eu vi que ela não era nada como a Mamãe. Ela cozinhava mal, e era muito desleixada. Essa vaca disse que se negava a acordar algumas horas mais cedo para preparar café! Ultrajante!

E ainda por cima, falou que não ia largar o trabalho para poder cuidar da casa! E que se tivéssemos filhos, ela contrataria alguém para poder ajudar! Ah... Eu devia ter ouvido à minha mãezinha.

Por sinal, que saudade dela. Mulher incrível. Nunca vi mais pura! Ela sim daria uma maravilhosa esposa!

Peço desculpas por esse breve devaneio, sempre que fico nervoso penso em minha mãe. Ela sempre me acalma.

Bom, voltando à situação inicial. O clima entre nós não estava dos melhores, então sugeri que fizéssemos uma viagem juntos. Nós íamos passar uma semana em uma cidadezinha histórica no interior.

Infelizmente tenho que admitir que eu não tenho a ínfima idéia de onde estou. Mas recuso-me a dar o braço a torcer para a Andressa. Simplesmente porque sei que ela se acharia superior se eu o fizesse.

Eu decidi então inventar alguma desculpa para parar em um lugar qualquer, e sem que ela visse, pedir informação.

- Andressa, amor.

- Não fode Anderson! Fala comigo quando resolver ouvir a Razão.
- VAI TOMAR NO CU ANDRESSA! POR QUE VOCÊ NÃO PODE SER QUE NEM A MAMÃE?!

- Porra Anderson, se você gosta TANTO assim dela vai lá e FODE COM ELA!

- CALA A BOCA SUA VAGABUNDA!

Com uma força sobre-humana eu me segurei para não socar a cara da cachorra. Como ousa ela falar assim dessa SANTA que é mamãe.

Mais uma vez pensei na minha mãe. Esse truque nunca falha, e acabei me acalmando.

Olhei pro lado e a Andressa estava com a mão na testa, balançando a cabeça. Ela estava vermelha de raiva. Por fim reclinou-se e ficou olhando a paisagem.

Uns vinte minutos depois vi uma daquelas placas típicas de estrada. Era um pneu pendurado em um pau.

“BURRACHARIAâ€

Perfeito. Vou falar que deu problema no óleo, e que preciso parar para comprar um pouco. É absolutamente perfeito!

- Ou, Andressa.

- (...)

Ela simplesmente olhou para mim com os olhos furiosos e voltou-se para a janela. Míseros segundos depois, se virou de volta, deu um sorriso e me mostrou o dedo do meio.

Mamãe. Mamãe. Mamãe. Pronto... Já estou mais calmo.

Passaram-se alguns minutos e vi a entrada para a borracharia.

- Resolveu escutar a razão e pedir informação?

- Eu já disse que sei para onde estou indo. Só parei para pegar um pouco de óleo, porque não tem reserva.

Ela virou os olhos e encostou a cabeça na cadeira.

Parei o carro do outro lado da estrada, para garantir que ela não escutaria nada. Saí do carro e bati a porta bem forte, de propósito.

Cheguei na borracharia e não tinha ninguém. O lugar era, na melhor das circunstâncias, um cafofo. As fendas nas paredes formavam uma complexa rede parecida com teias de aranha. Tinha um Opala parado com o capô aberto, e uma poça de óleo gigantesca embaixo.

O lugar parecia ter parado no tempo. A coisa mais nova que vi foi um calendário, de 1994. Era daqueles típicos de borracharia mesmo.

O calendário estava no mês de março. A foto era de uma mulher de costas, com uma bunda absolutamente enorme. Ela usava um biquini tão pequeno que não seria possível esconder um grão de feijão embaixo daquilo.

O calendário ficava em uma parede, com os dizeres “RAINHA DOS BORRACHERO†em cima. Na base, tinha uma caixa escrito “Lembrançasâ€.

Toquei uma campainha em cima do balcão e esperei. Ninguém deu as caras. Movido pela curiosidade, fui passando as páginas do calendário.

Conforme passava as páginas, as posições iam ficando cada vez mais obscenas. Em nenhum momento o rosto da modelo aparecia.

Era degradante ver uma mulher daquele jeito. Se não fosse por mamãe, eu acho que pensaria que todas as mulheres do mundo eram assim. Ainda bem que o bom Deus ainda cria mulheres puras como mamãe, e não como a vagabunda da Andressa.

Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro. Os meses passavam e a dignidade caía. Por fim, cheguei a dezembro.

(...)

- Não... Não pode ser.

Meu corpo todo tremia. Só podia ser coincidência.

Não... Era impossível. Meus olhos pregavam uma peça em mim. É a única explicação. A moça do calendário, era idêntica à minha querida mamãe. Mas mãezinha nunca se deixaria fazer isso. Era um truque.

Em estado de choque, olhei para a caixa que ficava abaixo do calendário. Aquele que estava escrito “Lembrançasâ€.

Com as mãos tremendo, abri-a. Fechei os olhos e peguei uma revista que tinha lá dentro.

Levantei-a até a altura de meus olhos. Estava ajoelhado como em frente a um altar.

“ENSAIO ESPECIAL COM SUZANA – A RAINHA DOS BORRACHEIROS!â€

- NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOO!!!!!!!

Soltei um grito gutural, bem do fundo da minha alma. Continuei pegando as revistas.

“Suzana – A Rainha dos Borracheiros TIRA TUDO!â€

“Brasileirinhas – A Rainha dos Borracheiros x Kid Bengalaâ€

Como pode? Minha própria mãe... Rainha dos Borracheiros. Como ela pode ter mentido assim para mim?

Em um acesso de raiva chutei a caixa com tudo que tinha dentro, e rasguei ferozmente as revistas.

Atravessei a estrada de volta até o outro lado, tremendo. Continuava em choque.

- Eu aposto que sua mãe não teria deixado você esquecer-se de trazer óleo reserva, não é Anderson?

- NUNCA MAIS FALA DESSA VAGABUNDA DE NOVO! ESSA VACA MORREU PRA MIM!

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O NOVO POETA.(W.Marques). · Franca, SP 1/4/2009 13:07
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