Carta de Ana

Carta de Ana
Londres, 28 de janeiro de 2005.
(...)
O lado bom disso tudo, Bento, é que sou escritora. Que não há nada que você possa fazer contra isso. O lado bom, é que nasci bem antes de você. Bem antes. Não antes em data, tempo, essa coisa tão calendária.
Nasci antes nas emoções. A gente nasce e renasce com elas, todos os dias sabia?
O lado bom é que sou escritora e as emoções me são como gasolina em um velho carro azul...
O lado bom que as suas manipulações, que funcionam tão bem com o mundo, não funcionam mais com o mundo inteiro. Pelo menos não mais comigo. E eu sou "o mundo" mais simples e verdadeiro que você jamais mereceu conhecer.
Sabe, Bento, é triste perceber o quanto você se acha o centro da terra. É triste e ridículo ao mesmo tempo, ouvir suas pretenciosas falas.
O mundo não é mais rosa ou amarelo por causa de você. As pessoas também tem sonhos bonitos, também tem vontades próprias...
Essa carta que escrevo agora, nem é pra você. É pra mim, pro resto de admiração que ainda havia aqui dentro, pois quando eu escrevo, eternizo sentimentos. Estou eternizando em cada palavra o quanto sua estupides é ridícula.
Se eu me atirar agora da ponte, por causa dos jovens poetas do Sirilanka, certamente você vai fazer com que seus amigos pensem que foi por você.
E se o contrário acontecer, se os jovens poetas do Sirilanka forem libertos pelos meus atos, você encontrará nisso alguma coisa em que possa se relacionar.
Bento, querido, eu não lhe odeio. Não andas merecendo tanta intensidade.
Acredito ainda que o Bento que eu conheci, humilde e verdadeiro, ainda possa lutar contra esse Bento pretensioso e bajulativo em que você insiste em se tornar.
(...)
A Clara essa manhã me mostrou assustada que um de seus dentinhos havia amolecido. Afoita, amarrei uma linha e tirei eu mesma!
Perdoe-me por não continuar a carta... o dente da Clara tem que ir pro telhado.
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Ana