O deus em que outrora fui educado para acreditar; uno, nascido da crença dos semitas é morto.
Ele não sobreviveu ao século XX e suas guerras mecanizadas e sangrentas e seus muros. Neste inÃcio de século em que os longos muros já cederam a outros bem maiores e intransponÃveis e as guerras permanecem - mesmo que fragmentadas e limitadas a certas regiões - assistimos o inÃcio de mais um longo „crepúsculo“. Dessa vez apenas de um deus: O deus de Abraham/Ibrahim e sua maior ramificação; o deus trÃplice cristão.
E como se sabe, que um deus é morto? Quando a crença neste deus se torna comércio? Quando o temor e a devoção são instrumentalizados das maneiras mais torpes por lÃderes religiosos ávidos por poder e acumulação de riquezas terrenas? Quando religiosos fanáticos proclamam guerra contra os infiéis?
Não necessariamente. Afinal já havia tal situação na Idade Média. O diferencial para o século XX quanto a isso é o desenrolar das ideias iluministas – nascidas no fim do século XVIII – e a popularização da educação laica baseada sobretudo nos conhecimentos da ciência e não em dogmas. Neste contexto o deparar-se com a falibilidade de um deus, que permitira o extermÃnio sistemático e brutal de milhões de seres humanos em guerras desumanas ao longo dos últimos 100 anos, fora a gota d´água que faltava para gerar uma onda de crÃticas e levantar a crucial dúvida: Deus existe? Perguntavam-se os jovens já em 1968.
A crise do divino é plena de contradições. Como toda situação incomum dentro de uma sociedade complexa, ela tem efeitos inesperados. O avanço dos católicos ultra-conservadores, dos „cristãos renascidos em cristo“ – vulgos evangélicos – e dos islamistas são três aspectos claros e bem semelhantes dessa crise.
Todos esses movimentos reacionários se baseiam no fanatismo religioso e na criação de uma rede de fiéis interligados em nome da unidade comunitária e do cumprimento dos valores religiosos. A famÃlia tradicional com papéis bem definidos para o Homem (pai, marido e provedor) e a Mulher (mãe, mulher e „admnistradora“ do lar) é tida como a base da estrutura social e todo tipo de relação social existente no mundo contemporâneo é considerada inaceitável. Há uma intrÃnseca repulsa pelas „coisas do Mundo“ e pelos infiéis, que „vivem em pecado“ e não obedecem ao deus deles. Por outro lado se veem predestinados em pregar e tentar converter o maior número de infiéis para salvar suas almas de uma suposta perdição e para tal não poupam esforços nem recursos.
Ao mesmo tempo os lÃderes religiosos cobram para si reconhecimento e influência sobre o Mundo laico. Almejam e – o que ainda pior! - adquirem cargos públicos com os votos dos „irmãos“ de fé. Utilizam dos meios de comunicações mais avançados para divulgar suas ideias ao mesmo tempo, que pregam para os seguidores, que estes muitas vezes são obras satânicas ou mundanas para enganá-los e desviá-los do caminho rumo a deus.
Pregam a renúncia ao luxo e aos bens materiais, mas vivem pomposamente cercados do que há de mais caro e sofisticado no mercado. Eles financiam tais excessos abusando da fé alheia. Geram medos e incertezas para depois oferecer uma solução única e „inquestionável“. Valhem-se para isso das mais eficientes estratégias de marketing, propaganda e persuasão, que existem atualmente.
Quem assim age crer no que prega? Não teme a fúria de um deus onipresente e onipotente? Claro que não! Afinal eles já perceberam a inexistência divina e sabem utilizar em proveito próprio o momento em que há a dúvida generalizada. Assim oferecem esperança e conforto aos desesperados e em troca obtêm uma fonte inegostável de benesses.
Temo, que o Estado e a sociedade laicos contituÃdos a duras penas estejam ameaçados. E por isso devemos – antes que seja tarde – levantarmos nossas vozes em nome de um Mundo livre dessa nociva influência religiosa. A fé ou a não fé devem ser uma parte da vida privada do ser humano e não o centro de sua existência. Temos de ter coragem de defender os ideias democráticos e igualitários contra aqueles que exigem em clamar „por deus“ em nome de uma teocracia baseada na desigualdade e nos privilégios.
Mors omnia solvit. Amen!
Trata-se aqui de um questionamento de cunho puramente filosófico sobre o papel das religiões na sociedade contemporânea.
Que belo texto: objetivo, claro, provocador.
Eu sempre disse que as instituições religiosas (humanas, profundamente humanas) são prisões que sufocam uma experiência que é pessoal e intrasferÃvel.
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