Em pleno Dia Internacional das Mulheres, não poderia ser mais grato ao acaso por me providenciar algo tão poético: uma cena interessante sobre o amor safista.
Confesso que, de inÃcio, fui levado por meu campo de visão periférico a achar que era um casal heterossexual. Depois, atraÃdo pelo mar e pela movimentação da orla, percebi de relance que o suposto sujeito tinha seios fartos. Bem dotado em mamas, ela era. Sua namorada também.
Aninhadas no fundo do ônibus estavam. A que estava mais perto, de camiseta regata cinza, com cabelos bem pretos, cortados à la Maria Gadu e cobertos por um boné branco, tinha seu braço direito lançado atrás de sua enamorada musa. Esta, trajando uma daquelas camisetas mais curtas que lembram um biquini, de modo geral em clima praieiro, com cabelos longos, lisos e meio avermelhados contrastando com os tons de azul que uniam céu e oceano.
Sendo sábado, um mero intervalo de tempo que, ligado à noite de sexta-feira, é bastante útil para a maioria das pessoas encher a cara até a madrugada de segunda, fiquei atento para os sinais de barraco no ar. Ninguém ia dizer nada sobre as "dúar lérbica" abraçadas?
Parecia que não. Incrédulo, assisti a todos em volta - cobrador em seu posto, ao redor delas uns cinco homens, sendo um deles a metade de um casal heterossexual.
Nada. Respiravam a brisa filtrada por afeto lésbico, numa serenidade tão perene quanto a transpiração, conditio sine qua non do verão soteropolitano.
Tive de sair quando vagou um assento mais à frente. Minutos depois, as moças notam que, duas fileiras mais adiante, um passageiro desocupou um dos lugares e foram sentar-se ali. Bem na frente dele. Um rapaz, torcedor do Vitória, com a camisa do clube, cujo nome desconheço mas que talvez rime com Fulanisvaldo.
Detenho-me à sua reação: a mesma de tantos, infelizmente, ainda hoje. Ou melhor: talvez mesmo no Dia de hoje!
Enquanto eu descrevo, cada leitor há de se lembrar de pelo menos uma vez que testemunhou isso: Fulanisvaldo, ao ver o casal homossexual, ficou tenso como uma criança travessa, ansioso à procura de apoio nos passageiros ao redor para começar o "bullying de bem".
Essa cena foi mais gratificante. Não o fato de um pobre-diabo ignorante querer levantar uma onda de piadinhas contra o amor entre duas pessoas do mesmo sexo, mas precisamente sua falta de sucesso nisso.
Fulanisvaldo ficou sozinho. Não achou ninguém para falar mal das "dúar lérbica" com ele, alma desgraçada. Sequer pôde abrir a boca, e descrente sentiu que só o vento iria interagir com ela durante o resto da viagem, mas não interessado no discurso de ódio que ali dentro estava prestes a se transformar talvez em mais placa bacteriana.
O vento, dono do silêncio, seria o único a fazer movimentar aquele bigodinho ralo, o que ironicamente dava a impressão de que Fulanisvaldo tinha uma lacraia no meio da cara.
Crônica escrita no perfil do autor no Facebook, em 08 de março de 2014, sobre um episódio do Dia Internacional da Mulher.
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