COMUNICAÇÃO HUMANA COMO POLÍTICA DE GOVERNO

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Padin · Praia Grande, SP
19/10/2006 · 4 · 2
 


“Estamos acostumados a opinar sobre os grandes direitos públicos, aqueles que figuram em códigos e constituições, fazendo parte de discursos políticos e promessas eleitorais. Fala-se do direito ao emprego, do direito à habitação, do direito à educação, ao sufrágio, enfim, de todos aqueles direitos que podem figurar como reivindicações sociais de transparência inquestionável. Mas parece suspeito e até ridículo falar daqueles direitos da vida cotidiana que permanecem confinados à esfera do íntimo, sem que ninguém ouse pronunciar seus nomes nas reuniões em que se debatem com grandiloqüência os problemas políticos da época. A esta categoria de direitos domésticos, relegados e vergonhosos, pertence o direito à ternura”
(Restreto: 1998: 9)


Ânimos exaltados. Policiais sendo fuzilados. Bandidos (ou civis) sendo exterminados. Em meio a tudo isso, o exibicionismo nas sessões da CPI, as discussões sobre o padrão de TV Digital a ser utilizado e o processo eleitoral. Em comum, estes assuntos têm como semelhança o fato de serem “mediados” única e exclusivamente pelo que se convencionou chamar no Brasil de mídias, ou seja, rádio, televisão, imprensa escrita e, bem mais recentemente, a internet e seus portais, blogs e sites de relacionamento.
Toda esta histeria e paranóia chamam a atenção para a necessidade de revermos o conceito de comunicação que utilizamos e que queremos a luz dos fatos recentes. Mesmo porque os seguidos ataques terroristas do PCC (Primeiro Comando da Capital), mais de que provocar mudanças substanciais no nosso cotidiano, descortinaram a real situação que vivemos: louvamos um mundo cada vez mais digitalizado; um espaço público cada vez mais inóspito e privatizado pelos negócios imobiliários que, somados, explicam um indivíduo que não coloca mais as relações sociais como prioridade. Para ele, comunicação é informação e o meio de informar-se é vendo os telejornais e acessando sua internet banda larga.
O conceito de informação, como bem diz o comunicólogo Norval Baitello Júnior, é uma das grandes farsas do século XX. Utilizado pela Sociologia Funcionalista da Mídia, a Massa Communication Research e a Teoria da Informação norte-americanas, legou-nos uma visão da comunicação baseada em uma mensagem (informação) que vai de um emissor para um receptor em linha reta. Feita para funcionar foi perfeita para acelerar o progresso do capitalismo e legitimar projetos genocidas como o nazi-fascismo. E negou-nos, portanto, a possibilidade de uma visão vinculadora da comunicação, relegada hoje aos circuitos acadêmicos e seus livros fora de catálogo.

A LÓGICA ARRASADORA DA GUERRA

Em sua obra “O Direito a Ternura”, o psiquiatra colombiano Luis Carlos Restreto fala que somos tentados pelos “símbolos culturais inimigos do encontro”, que nos levam a aplicar na vida diária a “lógica arrasadora da guerra”. Como resultado temos os discursos que pregam a ausência de ternura, a intolerância e a negação das diferenças . A opção da sociedade tem sido pelo conflito, resultado do encontro explosivo entre medo, insegurança e falta de moral dos políticos.
Entendemos como Comunicação Humana tudo aquilo que envolve os processos de participação, seus meios e condições como bem definiram os comunicólogos alemães Hanno Beth e Harry Pross na seminal obra “Introducion a la Ciencia de la Comunicación”, de 1973. Mediação não se restringe a relação emisor/receptor, paradigma funcionalista que nos rege e nos envenena há tanto tempo, mas deve sim se basear na origem etimológica da palavra comunicação, ou seja, compartilhar.
A visão distocida que predomina tem como resultado imediato uma série de distúrbios na comunicação dentre as quais destaco a incomunicação . No entanto, as propostas para uma resolução de problemas como os provocados pelos ataques criminosos vêm passando ao largo de uma discussão importante que é o restabelecimento de ambientes comunicacionais no espaço público.

O VÍNCULO NO CENTRO DO DEBATE

O que em princípio pode parecer apenas uma discussão acadêmica sobre o uso correto ou não do termo comunicação é, na verdade, a proposta para a construção de um novo paradigma. Incluir o conceito de compartilhar, vincular, no centro do debate vai, com certeza, redimensionar as políticas públicas, mesmo que para isso haja ainda um período de adequação a algo que no momento é restrito, como afirma RESTRETO (1998), ao ambiente doméstico.
Experiências nesse sentido já produzem resultados no Brasil. O projeto empreendido pela organização não governamental OCAS (Organização Civil de Ação Social) no Rio e em São Paulo é um exemplo. A entidade publica uma revista de rua que é vendida por moradores de rua em processo de ressocialização. A proposta dessas publicações de rua , os street papers, que hoje chegam há cerca de 40 espalhadas por 15 países, é o de reintroduzir desabrigados na sociedade por meio do contato, ou seja, pelo restabelecimento das relações comunicativas.
A iniciativa se propõe a romper um círculo vicioso onde uma visão distorcida leva a um ambiente de incomunicação. As políticas públicas calcadas, prioritariamente, no albergamento e as ações higienizantes nos centros velhos, como é o caso de São Paulo, encontram legitimação neste processo. Ao subverter tudo isso, colocando a possibilidade de se tensionar a comunicação no espaço público, algo novo irá surgir. Ações como o da Ocas são um bom começo. Resta passar a comunicação como vínculo para a agenda política, planos de governo.

BAITELLO JR., Norval (2005) A Era da Iconofagia. São Paulo: Hacker
RESTRETO, L.C. (2000) O Direito a Ternura. Petrópolis: Vozes
PROSS, H. BETH, Hanno (1973) Introducion a la Ciencia de la Comunicacion. Barcelona. Anthropos.
PROSS, H. (1980) Estructura Simbólica del Poder. Barcelona: G.Gil
PROSS, H. (1989) La Violência Simbolica de los Simbolos Sociales. Barcelona: Anthropos

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apple
 

É importante discutir as relações, os sentimentos, os valores humanos. Atrás dos acontecimentos existem as pessoas, com as suas características peculiares. Dessa forma, é imprenscidível trabalhar o ser humano para que os acontecimentos sejam trabalhados por conseqüência.

apple · Juiz de Fora, MG 21/10/2006 11:10
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Vana Gabriel
 

ADOREI O SEU TRABALHO. Vou até pesquisar mais sobre o "direito à ternura".
um grande abraço,
Vanessa Gabriel

Vana Gabriel · Santana, AP 17/11/2006 19:23
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