Fortaleza Polifônica

Henrique Araújo
Grupo Choramingando
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Henrique Araújo - Grupo TR.E.M.A · Fortaleza, CE
12/10/2006 · 95 · 0
 

Enquanto os músicos passavam e repassavam o som, rito composto de gestos e sonoridades ininteligíveis para os poucos abancados nas arquibancadas, numa quina de céu, a lua. Plena, banhava os corpos dos meninos que, indiferentes, continuavam a correr atrás da bola com incontáveis remendos. Quem sabe, agora, curtissem a música que varria o campo e preenchia a noite de sábado enluarada e cheia de brisa em Fortaleza.

Não muito distante dali, uma das mais movimentadas casas de forró da cidade. A comparação com o satélite vem em boa hora: casa cheia, certamente, a contrastar com o campo de futebol despovoado – à exceção dos meninos – escolhido para montagem de um dos seis palcos da I Mostra de Música Petrúcio Maia, evento realizado pela Prefeitura do Município nos últimos dias 6, 7 e 8 de outubro. Em números fechados, foram 90 bandas e grupos musicais – durante mais de 40 horas de shows - que varreram o espectro de estilos de A a Z – do choro, passando pelo reggae e o pop, ao punk rock, a Mostra deu uma idéia daquilo que se faz por aqui: música diversa e de qualidade. Distribuídos em seis pólos cidade afora e adentro, os grupos – alguns com razoável inserção no mercado; outros, recém-saídos das garagens –tiveram a oportunidade de levar aos mais variados públicos o trabalho que vêm produzindo nos últimos tempos.

Caso do grupo Choramingando – de choro, claro –, que se apresentou no palco do pólo Alberto Nepomuceno, no Henrique Jorge, bairro da periferia de Fortaleza. Jonas Calixto, um dos integrantes da banda, nunca fizera uma apresentação tão pertinho de casa. Olhos grudados no palco, mãe e irmã assistiam a tudo das arquibancadas. Para elas, vê-lo apresentar-se ali era realmente um privilégio. Essa, aliás, uma das razões de ser da Mostra: levar à grande parcela da população de Fortaleza um pouco do encanto e da diversidade musical cearense.


O canto de todo canto

Rateada a noite, marcada para começar às 18 horas, a Mostra ficava assim: trinta minutos para cada banda deixar o seu recado. Alguém reclamou? Do tempo, não, suficiente para sacudir uma pequena multidão que, como previra alguém, se formou coincidentemente após o horário de apresentação do folhetim global Cobras e Lagartos. “A concorrência do Foguinho é deslealâ€, brincou. E era mesmo. Em questão, apenas a divulgação do evento, que, segundo alguns músicos, teria sido insuficiente. Ilustre espectadora, a escritora cearense Tércia Montenegro, autora de O resto do teu corpo no aquário, engrossou o coro daqueles que gostariam de ter visto o pólo Alberto Nepomuceno igualzinho à casa de forró: prenhe de gente. “Faltou um pouco de divulgação. A estrutura é ótima, mas a divulgação talvez tenha sido deficienteâ€, dispara.

Do pólo Lauro Maia, no Bairro Ellery, Bruno Andrade, vocalista da banda Lavage, a única de punk rock da Mostra, compartilha impressões: “A apresentação foi boa. O público tava meio frio, mas aos poucos foi entrando no clima. A divulgação foi deficiente e as pessoas que foram até o pólo da avenida Sargento Hermínio não sabiam o que esperar das bandas. Mas, no geral, foi tudo muito bom. O som era muito bom e a iluminação tambémâ€, disse.

Nem tudo, porém, girou em torno do descontentamento. Pelo contrário. Ao final – e logo de cara também, como vimos nos depoimentos – percebeu-se a qualidade impecável do som e a eficiência na organização de um evento de grande porte como foi a Mostra Petrúcio Maia. Para o músico Daniel Escudeiro, do Trio Luz, responsável pela abertura da Mostra no sábado no pólo Alberto Nepomuceno, o que vimos foi apenas um pontapé inicial para a música cearense. “A Mostra tem tudo para se tornar um evento fixo e de peso no calendário cultural da cidadeâ€. De acordo com Clara Luz, voz, a diversidade e a qualidade técnica foram realmente o ponto alto da noite. “O som é de primeira, pudemos cantar músicas autorais como Feijão e Quintal de sol, além de composições de Lauro Maia e Humberto Teixeira, e divulgar um trabalho que, de outra forma, não encontraria espaço. No final, o que fica é o respeito ao artistaâ€, disse.

Então, o saldo, positivo, certamente deixará rastros: daqui pra frente, outras mostras virão. Não se trata de boa vontade do poder público, mas, conforme vimos, de uma exigência que salta das ruas de Fortaleza. E que venham os folhetins!


A Mostra de Música Petrúcio Maia

A I Mostra de Música Petrúcio Maia é resultado de demandas da própria população de Fortaleza, apontadas, ainda em 2005, durante o ciclo de conferências de cultura e do Orçamento Participativo – OP realizado, em toda a cidade, pela prefeitura de Fortaleza. Ao todo, foram inscritos 400 grupos e bandas, dos quais 90 selecionados, recebendo cada um o cachê de R$ 800. A Mostra, em sua primeira edição, teve como objetivo geral mapear a produção musical na cidade e, com isso, constituir um catálogo dos principais grupos em atividade, contribuindo para o reconhecimento e formação dos artistas locais. Além disso, homenageou o grande músico cearense Petrúcio Maia, responsável por composições como Cebola Cortada e Além do cansaço.

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