Jornalismo, realidade ou ficção?

1
leandroDiniz · Niterói, RJ
27/7/2007 · 13 · 0
 

Indiscutivelmente estamos numa sociedade que alcançou um nível de tecnologia estúpido. Geramos as mais altas proezas técnico-científicas e, contudo, ainda somos animais em busca da felicidade, da supressão da dor e do controle de nossos mais primitivos instintos. Saímos do modo de vida caça-coleta para uma urbanização sedentária cuja aparência transparece o oposto do que se configura. Achamos que evoluímos, mas ao reparar a integração com o meio sofremos inumeráveis regressos. O modo de vida caça-coleta pressupunha que conhecêssemos nossa região muito bem, a fim de poder coletar e caçar. Quem não conhecesse o ambiente em que estava, muito afundo, não poderia sobreviver, com isso deixando o conceito de nômade um pouco deturpado. Já que se é necessário conhecer bem a região em que se vive para poder sobreviver não se pode mudar tanto de região assim. Já no sedentarismo urbano em que estamos inseridos somos, por ventura, obrigados a sempre buscar novas terras, novos recursos, novas tecnologias. Com isso deixamos de conhecer bem o ambiente em que vivemos e passamos a conhecer bem o que queremos fazer, buscando os meios para isso. Tanto no nível físico quanto no psicológico nossa instabilidade cresceu. Ficamos a mercê de um processo contínuo interligado mundialmente que é frágil e necessita constantemente de atualizações e releituras para que não colapse. Essa insegurança reflete em todos nos níveis de nossas vidas. Nossa sobrevivência depende de outros. Como é de conhecimento global nem uma única pessoa no mundo sabe fabricar um lápis. Um simplório cilindro de madeira preenchido com um tubo de grafite é de tal monta complexo de ser feito que ninguém sozinho conseguiria o construir. Essa analogia reflete muito bem a que nível chegamos. E se ainda se pensa que sozinhos com um punhado de grãos e uma terra poderíamos viver sozinhos em um auto sustentável meio de vida, esquece-se que através dos anos poluímos os terrenos, selecionamos as pragas a se desenvolverem contra nossos mais eficientes pesticidas e contaminamos lençóis d’água. Sozinhos conseguiríamos no máximo umas duas colheitas que logo acabariam por serem inúteis, ou mortas. Nossa dependência é tão grande que preferimos esquecê-la.

É muito engrandecedor pensar que somos animais mais nobres e evoluídos, se esquecermos todas as atrocidades animalescas que acontecem diariamente ao redor do mundo. Somos macacos com raios laser e televisões de plasma. Continuamos descontando nossas frustrações em filhos, colegas e desconhecidos, somos tão capazes de controlar nossas raivas, iras e medos quanto foram capazes de controlar nossos ancestrais. Organizamo-nos em sociedades que nos privam e nos tole de nossos mais básicos mecanismos e com isso criamos doenças urbanas, tal como pressão alta, diabetes e as doenças psicológicas. Em prol de um funcionamento global, creia, acabamos encontrando o caminho para um apaziguamento de nossos mais profundos anseios, a imagem. Constituímos atualmente uma sociedade da imagem em um nível nunca antes visto, um aglomerado de animais que vivem em prol da imagem, seja ela auto imagem, imagem social ou até imagem em si mesma. O exemplo vivo disso é a quantidade exorbitante de apetrechos imagéticos que temos hoje. Máquinas de vídeo, câmeras fotográficas, televisores, e sem enumerar a quantidade sem proporções de mídias que se utilizam da imagem para se promover. Hoje em dia revistas, outdoors, cartazes, panfletos e demais meios de divulgação não divulgam nada a não ser si mesmos. Basta pararmos em uma roda de conversa qualquer para uma hora, é infalível, ouvirmos algo assim “rapaz! Já viste a nova propaganda da Skol? Muito maneira não é?”. Ligamos muito pouco para o produto em si, a propaganda quer se promover, quer ser a melhor propaganda, não interessa de que produto. E se alguns produtos ainda se vêem promovidos pela propaganda é por simples adaptação mercadológica ou ineficiência da agência contratada. Essa força da auto promoção imagética é de tal monta que culmina na maior demonstração da nossa deformação mental. Nossos jornais.

O jornal, seja impresso, eletrônico, radiofônico ou televisivo se presta a um serviço básico de informações à população que ele se destina. Cabe aqui atentar para o fato de que informações essas tendem a ter alguma relevância, já que noticiar um nascimento em Cachoeiro de Itapemirim seria irrelevante já que nascem infantes aos milhares diariamente. Cabe ao editor do jornal decidir quais informações são relevantes a serem transmitidas ao público alvo. Cabe ressaltar, também, que o jornal sempre se prestou a transmitir informações em mais alto grau de realismo e seriedade quanto possível. Já que se as informações que ele transmite forem falsas, sua credibilidade passa a ser zero, é o que acontece com paródia de jornais, quais sempre deturpam as informações em prol da comicidade, e nós consequentemente não as levamos a sério, mas por isso mesmo rimos da mutretagem que é perpetrada em frente de nossos olhos. Essa busca pela informação o mais próximo da realidade possível é o que leva um jornal a ser respeitável ou não. Mas... vemos que não só isso hoje em dia garante um jornal. Pois, mal ou bem, vemos uma padronização enorme das escolhas das notícias que são veiculadas mundial e nacionalmente. Pare para ver três jornais de três emissoras diferentes e verá um grosso de 80% de similaridade entre as noticias veiculadas. Isso, é certo, não é mera coincidência, mas puro pragmatismo. Os jornais hoje não se interessam por passar as informações, nem escolher realmente as notícias que vão veicular, mas sim têm a preocupação em como irão fazer isso. O que entra nossa deturpação clássica da imagem e o paradoxo da validade. Primeiramente a maioria dos jornais se preocupa em diluir a informação e pasteurizá-la para que ela seja compreendida pela parte menos instruída da população. O vocabulário utilizado é sempre o mais corriqueiro e insosso possível. O uso de imagens, esquemas explicativos, redundâncias informativas, legendas e clarificações são usualmente utilizados. E há o paradoxo da validade.

Cremos que um jornal que se presta a transmitir informações, preze pela imparcialidade, pelo caráter verdadeiro de suas informações e pela categoria de transmissor da verdade. Como que eles se proclamam atualmente. Mas isso é a mais estrondosa falácia de todos os tempos. Uma informação nunca é imparcial, para começo de esclarecimento. Qualquer informação requer um ponto de vista, um ponto de análise e uma valoração de relevância subjetiva. Então se um repórter cobre um acontecimento ele tende a mostrar aquele ocorrido de acordo com o que acha importante. Fato que das reportagens que são feitas apenas uma parcela reduzidíssima vai ao ar, com isso temos, também, o ponto de vista do editor que se sobrepõe como um ditador que decide unilateralmente as notícias mais “relevantes” da hora. Mas como se isso não bastasse, o fato do ponto de vista do repórter e a escolha editorial, ainda temos a montagem e edição de som e vídeo dessas reportagens. Uma informação é uma informação e pronto. Basta que aceitemos esse fato para que discordemos, só para citar uma prática, do uso de trilhas sonoras exteriores a gravação das reportagens. O uso de trilhas sonoras, como em filmes artísticos, põe o filme no “clima” pretendido pela subjetividade de quem conta a história. Então se se mostra a fome dos miseráveis no interior nordestino, uma música triste é tocada. Já se vemos uma história de superação pessoal, uma música triunfante acompanha o vídeo. Mas a informação não era para ser informação? E a imparcialidade do jornal? Então o jornal se pronuncia dizendo que há um drama ali e uma superação acolá. E que os dois têm diferentes tipos de relevância. Já podemos concluir que essas matérias são parcialmente influenciadas pelo jornal que se proclama imparcial. A validade dessas matérias só se dá se no nível de filme artístico. O que pode até ser, não discordo disso, nem acho ruim, eles servem para nos tocar e alertar do drama e nos fazer sentir melhor sabendo que seres parecidos conosco conseguem se superar e sair de níveis paupérrimos a uma melhora de vida. Qual o problema então? O único problema é como eu já explicitei que justamente o jornal se diz imparcial. Ele cria uma realidade fictícia com a edição de algumas reportagens, uso de trilha sonora específica, enquanto que no mesmo folhetim vemos reportagens sobre política. Essas que não contém trilha sonora, se for o caso, mas que são passadas no mesmo nível de seriedade e profissionalismo que as outras. Então em um mesmo nível informacional temos a pseudo-ficção e temos a informação realística. Das duas uma, ou a ficção serve para abrandar a realidade ou a realidade serve para desvalorizar a ficção. No caso corrente as duas realmente trabalham em paralelo, e constantemente juntas. Mas se por ventura uma reportagem séria e informativa é apresentada primeiro que uma ficcional (o uso desse termo é comedido ao nível que a ficção se apresenta como variação do real cru) terminamos por colocar todas em um mesmo plano de validação. O drama ficcional é tão válido quando a ficção real, ops! É aqui que há a distorção da realidade. A confusão é enorme.

Então o jornal se presta a dar informações relevantes à população, mas ao manipular a informação para agir sentimentalmente termina por nivelar todas as reportagens que passa como de mesmo valor. E se por acaso alguém discordar disso que vou dizer, por favor peço para que continue a ler mesmo assim. Se uma notícia nos toca com fundo emotivo, se ficamos sensibilizados com a superação ou enraivecidos com a miséria alheia e o descaso político, creio que uma reportagem que não nos toque a nível sentimental seja descartada como inválida. Nesse ponto que queria chegar.

Todos os filmes publicitários, todas as propagandas, todos os cartazes que vemos são ficções. Eles não vendem produtos, mas modos de vida, felicidade, ambição, sexo etc. Vivemos em um mundo que transporta nossa realidade para um simulacro mental. O carro não é carro, mas é status, é satisfação pessoal, é conquista ou vitória. Um sorriso branco é uma família bonita e uma ótima vida. Todas as nossas propagandas são erigidas nesses moldes. Um anúncio de um óculo de grife em revistas não foca o produto, mas sim a beleza de quem o usa, o estilo e a imagem bem tratada. O que interessa é a imagem da coisa, não a coisa em si. Não discuto aqui a qualidade disso ou a relevância dessa realidade, mas logo podemos perceber o quão maléfico é isso para nossa percepção das informações e das notícias. Praticamente não importa quais notícias virão, mas sim como virão. Se for uma reportagem cheia de sentimento paramos e damos atenção, a empatia com essa reportagem é grande. Mas se nos deparamos com uma reportagem mais informacional, já não nos soa muito bem. Quantas vezes ouvimos de pessoas próximas “não agüento mais ver esses jornais, só passam desgraças, políticos corruptos etc. não passam mais nada de bom”. Esse “bom” seria realmente a reportagem editada em moldes de filme artístico. Então para nós é muito pior não participar da vida imagética sentimental, logo as reportagens informacionais perdem peso, consistência e relevância. Lógico que concordaremos que as reportagens informacionais nunca poderiam ser transmitidas em níveis artísticos, já que seria o passo decisivo dos jornais para não se creditarem como verdadeiros quanto à realidade. Mas também não se pode passar todas as reportagens friamente, pois precisa-se da audiência.

Mal ou bem o jornal é um programa como qualquer outro e possui patrocinadores. Não quero dizer com isso que os patrocinadores interfiram na edição ou escolha de reportagens a serem veiculadas nele. Apenas quero dizer que o programa precisa de audiência, e nesse afã de buscar telespectadores a edição de algumas reportagens se faz uma arma a mais para garantir a homogeneidade com o resto da programação. Já que o jornal, atualmente, é um dos únicos programas que nos põe em contato com a realidade. Não temos mais programas que nos remetem à nossas vidas. Todos os outros programas são aquela mistura de fantasia com a interpretação da realidade. E se um programa de entrevistas poderia fazer essa ponte, eles se perdem em adoçar as suas conversas com frivolidades e demais banalidades que só contribuem para o riso da platéia ou o passa tempo descompromissado. Então o jornal como um programa a mais na programação da emissora tem que se uniformizar com a qualidade geral, quase uma “homeostase” corporativa. Todos os “órgãos” do corpo têm que trabalhar de forma proporcional e unida. O que nos trás de volta ao tal paradoxo da validade. Um jornal que se presta a transmitir reportagens em nível impessoal, imparcial e de forma direta, termina por se ver necessariamente transformando suas reportagens a fim de se manter ao nível da realidade em que vivemos e a validade do que ele passa só tem relevância quando atinge o espectador no nível emocional e quando tenta fazê-lo de modo direto não consegue o intuito.

Deixando de lado possíveis intenções outras dos jornais, eles se vêem impossibilitados pela própria sociedade em que vivemos de funcionar como deveria. O que deixo como pensamento é a pergunta: Cabe ao jornal e a emissora trabalhar para que nos desvencilhamos dessa realidade imagética ou deve ele se inserir nessa realidade em prol de poder se comunicar a nível básico com a população?





compartilhe

comentrios feed

+ comentar

Para comentar é preciso estar logado no site. Faa primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.

filtro por estado

busca por tag

revista overmundo

Voc conhece a Revista Overmundo? Baixe j no seu iPad ou em formato PDF -- grtis!

+conhea agora

overmixter

feed

No Overmixter voc encontra samples, vocais e remixes em licenas livres. Confira os mais votados, ou envie seu prprio remix!

+conhea o overmixter

 

Creative Commons

alguns direitos reservados