Tangolomango 2010 – Entrevista com Marina Vieira

Arquivo Tangolomango 2009
Festival Latino-Americano da Diversidade Cultural
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Douglas Vieira Inativo · Rio de Janeiro, RJ
28/7/2010 · 31 · 1
 

Quem já foi sabe que é imperdível. E esse ano é a vez do pessoal do Ceará. O Tangolomango 2010 – Festival Latino-Americano da Diversidade Cultural vai começar daqui a uns dias em Fortaleza e mesmo assim consegui parar a Marina Vieira, criadora e organizadora do festival, pra trocar uma ideia comigo e apresentar um pouco da trajetória de nove anos do festival.

De cara, a Marina já conquista pela simpatia, a começar por ter me recebido mesmo já no corre-corre de passagens pra lá e passagens pra cá. Nós sentamos pra conversar nesta última segunda-feira no escritório dela na Glória, no Rio de Janeiro. E entrando no escritório da produtora Mil e Uma Imagens é impossível não notar que são as mulheres que botam o bloco do Tangolomango na rua. E elas conseguiram fazer um festival com treze edições de sucesso, que tem muita história.

No Tangolomango, grupos que mal se conhecem e muito diferentes entre si são selecionados pra montar juntos um espetáculo colaborativo, que acontece em um único dia. Eu vou deixar pra Marina contar aqui embaixo um pouco de tudo isso.


Marina, como surgiu a ideia de criar o Tangolomango, lá em 2002?


Chegou um momento em que eu percebi que nas comunidades existia uma produção cultural muito forte, mas eu notei também que os grupos não se comunicavam muito entre si, não se conheciam direito. Eu lembro que na primeira edição do Tangolomango, no Museu da República, diversos grupos da periferia, como o Nós do Morro, se apresentavam, mas não existia uma conexão. Eles não se articulavam. Na mesma época, eu fiz um curso na Unesco sobre cultura, cidadania e juventude, e isso me ajudou a pensar aquela situação. Eles faziam ações isoladas, e assim não tinham tanta força.

Aí você resolveu colocá-los para se articular...

Exatamente. Foi legal porque muitos deles nunca haviam se apresentado juntos, foi a primeira vez. E a ideia, desde o começo, era fazer uma produção colaborativa. No início foi mais difícil. Naquela época as pessoas não tinham muito essa ideia, e nem a gente. Era uma coisa muito intuitiva. Na primeira edição eles faziam o mesmo espetáculo, mas se apresentavam em seqüência, cada grupo na sua vez. Ainda eram muito isolados. Além disso, essa primeira edição quase não teve patrocínio, e a segunda não teve patrocínio nenhum. A gente conseguiu fazer tudo na base do escambo mesmo, e deu certo. Colocamos, por exemplo, um grupo de grafiteiros dentro do Museu da República, e as latas de spray foram doadas. E mesmo assim conseguimos fazer quase tudo que tínhamos planejado.

Daí pra frente a situação do festival melhorou, não é?

Na verdade, só no festival de 2005. Aí o festival se espalhou. Nós começamos a receber o patrocínio da Petrobras e fizemos duas lonas culturais, mostra de cinema, mostra de arte... E o evento foi crescendo, virando nacional, e agora latino-americano.

Em nove anos de Tangolomango, com treze edições, o festival mudou muito. O que você destaca dessas mudanças?

O que mudou mais foi que agora as pessoas já entram no Tangolomango entendendo o esquema. Desde 2007 a gente percebeu que as pessoas dos grupos já chegavam na primeira manhã de ensaios animados e se entrosando. As pessoas já começavam a brincar desde o começo, não ficavam acanhadas como antes. Difundimos ao máximo os festivais anteriores, então os grupos convidados já conheciam os vídeos das outras apresentações, por exemplo. E é muito gostoso, muito divertido, eles brincam mesmo.

Você destaca mais alguma coisa das mudanças que o Tangolomango viveu?

Sim, uma coisa muito importante. A nossa noção do conceito de periferia. Antes a gente considerava como periferia as favelas e as regiões do entorno das grandes cidades. E agora a gente entende periferia como aquilo que não está no centro oficial, que não está no centro da mídia, por exemplo. Então, nesse sentido, o Cariri, mesmo não sendo periferia por um lado, é pelo outro. Existem várias periferias, ampliamos esse conceito, e o Tangolomango parte disso para trabalhar a cultura como diversificada e colaborativa. Esse é mote principal do Tangolomango, a evolução dele chegou a isso.

E como funciona a seleção dos grupos que participam do festival, quais os critérios de escolha?

A gente abre inscrições, e no nosso edital a gente busca grupos que sejam criativos e que estejam dispostos a trocar experiências com outros. Isto entre uma série de coisas que a gente incentiva, como o interesse em cultura livre. E a gente sempre procura pegar grupos bem diferentes entre si pensando no espetáculo. Não pode escolher cinco grupos de circo, por exemplo. A gente busca colocar à mesa elementos de troca, a maior diversidade possível.

Então a seleção também leva em conta o conjunto de todos os grupos?

Isso, a gente já seleciona pensando no total. E ficamos com pena, porque tem muitos grupos muito bons que acabam ficando de fora. Alguns acabam entrando em outra edição.

E o Tangolomango se tornou o festival da Diversidade Cultural da América Latina. Conta como foi essa história de romper as fronteiras brasileiras.

A gente sentiu a necessidade de colocar os grupos para se articularem na América Latina, não só no Brasil, e ao mesmo tempo a gente tinha medo de fazer isso. Porque, como a gente está falando de trocas, a gente não sabia o quanto a língua ia prejudicar. O primeiro ano em que a gente fez isso foi 2008, foram três edições em cidades diferentes, e chamamos um grupo estrangeiro pra cada uma delas. Foi um grupo da Venezuela para o Ceará, um do Peru foi para a Bahia, e um grupo do Chile para o Rio. E foi uma surpresa, porque a língua não foi um problema. Então, a música, a arte – isso é meio redundante, mas é verdade –, são uma linguagem universal. Eles não entendiam todas as palavras, mas se entendiam. Alguns já haviam feito apresentações na parte latina dos Estados Unidos, mas na América Latina mesmo, como a gente conhece, eles não faziam tanto. Não trocavam muito com nós brasileiros, por exemplo. Eles até trocam entre eles um pouco, mas com a gente não muito.

Você acha que a gente no Brasil acaba se isolando muito do resto da América Latina?

Eu acho. A quantidade de grupos que existem na Colômbia é muito grande, e a gente não conhece... E a mesma coisa aqui dentro. Como no caso do Ceará ou Pernambuco, que são alguns dos estados mais ricos, falando dessa produção local, e não conhecemos bem.

E existe possibilidade de o Tangolomango atravessar de fato essas fronteiras, e termos um festival na Colômbia, por exemplo?

Eu estive recentemente em um encontro na França apresentando o Tangolomango, e lá todos conhecemos as pessoas dos outros países, e eu percebi, por exemplo, que a Ãfrica é um caminho. Eles têm essa riqueza também, e lá se fala dezenas de línguas diferentes! Então a gente percebeu que pode existir uma boa conexão com a América Latina e com a Ãfrica.

O Tangolomango não se resume ao festival em si, explica como funciona o Tangolomanguinho, por exemplo.

Bom, muitos grupos de crianças sempre se inscreviam, como alguns das escolas de samba aqui do Rio. No Ceará teve uma banda de latas, enfim, as crianças se inscreviam muito. E a vontade delas de trocar com os outros é muito grande, elas mergulham na proposta muito mais que os adultos. E pensamos, por que não um Tangolomanguinho? E a gente acha que com as crianças é mais fácil de plantar sementes como a da cultura colaborativa. Colocamos diversas oficinas, de música, de arte, de DJ, de circo... Isso exatamente pra promover um primeiro contato com outras experiências.

E como é o Tangolomango do Ceará? Tem diferenças do público de lá para o do Rio de Janeiro?

Tem. A principal diferença do Ceará é que a gente conseguiria fazer um Tangolomango só com grupos cearenses. Por que a riqueza é muito grande. E isso é um choque pra gente, um choque no bom sentido. Daqui do Rio a gente percebe um movimento dos baianos e dos pernambucanos, mas do Ceará é mais difícil, a gente aqui não conhece. E sendo honesta, ao mesmo tempo eu fiquei surpresa com a riqueza da cidade de Fortaleza e com a modernidade do lugar. E descobrir tudo isso é muito legal. E lá os grupos tradicionais têm um público muito jovem, isso é interessante. Além disso, acho que são mais soltos pra dançar, como na ciranda.

Mas o carioca também dança muito... O cearense dança mais?

Olha, a ciranda lá não para. (risos) E o espaço também é muito diferente, aqui no Rio o festival acontece no Circo Voador, que é fechado. Lá acontece no Centro Cultural Dragão do Mar, que abre os portões e o festival vai para a praça. É muito bonito.

E como é construir um único espetáculo com tanta gente diferente? Existem dois dias de ensaios, mas os grupos são muito diferentes entre si, como funcionam esses ensaios, são uma tarefa árdua?

Olha, é cada vez menos árdua. Essa era uma grande dificuldade que a gente tinha no início, e que agora quase não tem porque os grupos já conhecem o festival. Antes os grupos queriam apresentar seu próprio espetáculo. A coisa de uma experiência colaborativa não entrava muito na cabeça. Hoje acontece assim, no primeiro dia de ensaio cada grupo mostra um pouquinho do que faz, aí começamos a perceber pontos de convergência. Depois que se percebe isso, no segundo dia de ensaio, eles mesmos já formam pequenos grupinhos e começam a trocar, e já mistura.

E acontecem improvisos?

Sim. E alguns grupos gostam de ter cartas nas mangas. Teve um grupo peruano, no Tangolomango na Bahia, que no último dia de festival realmente fez uma surpresa. Eles subiram as ladeiras do Pelourinho vestidos de lhamas, usando pernas de pau. Foi uma coisa linda, eram lhamas de três metros de altura com desenhos tribais. E isso a gente não sabia que ia acontecer. Como toda brincadeira, tem grande margem de improviso.

Este ano temos dois mestres homenageados, o Mestre Zé Pio, de Fortaleza, e o Mestre Aniceto, do Crato, fala um pouquinho sobre isso.

Uma das coisas mais prazerosas em fazer o Tangolomango é trabalhar com os mestres. É ver a relação deles com os jovens, por exemplo. Vários mestres já participaram do Tangolomango, e este ano resolvemos homenagear dois deles. Poderíamos fazer um Tangolomango só com os mestres. É muito interessante também porque de fato eles sempre estão cercados de jovens, eles sempre acompanham nas apresentações, porque é o mestre quem transmite a tradição.

Há quem diga que esse contato da tradição com outras culturas, estar em contato com a diversidade, põe em risco esta tradição porque ela tenderia a sumir. O que você acha disso?

Eu acho que nem um pouquinho. Acho que esse contato revitaliza. Temos depoimentos, como o da Tia Maria, que fala da importância de passar por isso, que ela se sente revitalizada. Isso muito por conta do contato com os jovens. Eu acho que um mestre não é mestre à toa, acho que ele é mestre porque há muito tempo já se abriu pra interagir. Eles já têm essas trocas com os jovens. E quando você vai a um terreiro de mestres você vê que essas trocas realmente acontecem. Acho que os mestres são muito mais abertos.

E a gente pode esperar o quê deste ano? Tem violoncelo, circo, boi, coral e tem dança de rua. E aí, isso vai pra onde?

Eu acho que vai ser ótimo (muitos risos). Acho que vai ser muito dançante! O Di Freitas, por exemplo, eu acho que é mestre mesmo sem ter o título. Acho que entre ele e esse grupo de Bogotá, que canta à capela, já pode rolar uma química. Algumas coisas a gente prevê que vão dar certo e, pra dizer a verdade, sempre dá um frio na barriga. E acho que a graça do Tangolomango é essa, porque a gente só tem um único espetáculo, a apresentação é em apenas um dia. E o Tangolomango é isso, é um espaço para a brincadeira.

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Então fique esperto e não durma no ponto! O Tangolomango 2010 acontece de 5 a 7 de agosto no Sesc Iracema e no Centro Cultural Dragão do Mar em Fortaleza. Este ano os grupos selecionados são:

Legatto 7, de Bogotá/Colômbia
El circo Del Mundo, do Chile
Cia Urbana de Dança, do Rio de Janeiro
Nova Saga, de Salvador
Di Freitas, de Juazeiro do Norte

E os homenageados deste ano são o Mestre Zé Pio, de Fortaleza, e o Mestre Aniceto, do Crato. Quem puder fazer as malas, vale a pena dar um pulo em Fortaleza na próxima semana e conferir o Tangolomango 2010.



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ayruman
 

Maravilha. Salve a América. Somos uma só Alma. Sucessos a todos. jbconrado

ayruman · Cuiabá, MT 28/7/2010 22:14
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