Toques de um mundo acumulado

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Eder Fonseca · Cândido Mota, SP
11/5/2009 · 24 · 0
 

Toques de um mundo acumulado

“e o mundo reza ser um sóâ€

O trabalho Sol no escuro (Reco-Head, distribuição Tratore, 2006), do paulista Fábio Góes, é daqueles que situamos na parte mais fina da música, carregada de muita poeticidade, criticidade, formando o que se pode chamar de poética!
A poética entendida não no seu sentido estanque, divisor, que impõe barreiras ao invés de descortiná-las; mas sim um modo próprio e prático de como se percebe a realidade, processa e trabalha-a, aumentando o contato dos poros com esta e captando suas diversas intensidades de entonações e colorações.
Com uma precisão só conseguida depois de muito trabalho, dedicação e observação clínica, Sol no escuro, com cinco anos de elaboração, vai ao encontro das questões atuais das relações interpessoais (seus modos, gostos, gestos, resultados etc.). A rapidez com que se dão os laços - constante necessidade do “novo†(“Vivi minha vida inteira/ mas não me canso/ de querer sempre maisâ€) - faz com que o mundo acabe acumulando-se, sem um filtro subjetivo, dificultando, no contato com o outro, que nos tornemos ainda mais receptíveis à beleza que as entrelinhas do mundo propicia. E o acumulado acaba por acobertar pontos de contatos outros, criando a demasia de ações ao resultado destas (“Ando sonhando tão pouco/ que eu nem sinto maisâ€).
Sem cantar em nome da melancolia que paralisa (“A calma que a noite traz/ O choro da noite é só/ serenoâ€), observamos nas letras-toques o resultado desse modo, que permite visualizar o outro sob novas óticas - que se indaga sobre rumos de ações que ao invés de aproximar, afastam, ao invés de durar, evaporam-se juntamente com o medo do vínculo, do afeto, do gosto, do tempo.
Condensado ali, sob melodias elaboradas, combinando sonoridades contemporâneas – sons de automóveis, barulho de chaves, etc. com arranjos de orquestra, um violão e percussão bem trabalhados, uma vez unidas à letra, geram uma atmosfera de otimismo. Fábio há mais de dez anos trabalha com produção musical, esteve presente no grupo Paumandado e produziu Jumbo Elektro, entre outros, tendo participado nas equipes de filmes como Abril Despedaçado (2001) e Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles e Kátia Lund, entre diversos outros trabalhos cinematográficos premiados.
O olhar cinematográfico, inclusive, reflete-se no cd, criando com a sonoridade e letras das músicas, a escrita e melodia, uma atmosfera real que descreve com precisão e velocidade encontrada na própria vida, como se você ali a visse passar. Convergir diversos pensamentos, no momento da audição da música, da interpretação da letra, trazendo ao tato o mundo acumulado.
A metáfora, um dos recursos usados nas composições, quando bem utilizada, exacerba a crítica, mostra sua profundidade e tino certo. Sol no escuro faz perguntar se o homem, crendo sob os holofotes estar iluminado, na verdade, não acaba por escurecer o sol que há dentro dele, “apagando†outro tipo de calor, que aquece os laços, e desemboca em afetos que se dão por outros toques. Uma pergunta extremamente concisa, com palavras cotidianas, frases curtas, porém, certeiras.
Não há beleza sem precisão e uma boa dose de leveza e profundidade, não há toque sem o suspiro, não há rosas, nem vinhos, nem amor, nem carinho, sem uma boa chuva e luz, noite e dia. O que distingue as relações é como elas são sentidas, quais níveis, as intensidades da vida estão presentes. Há um particular na vida que faz com que se aprenda é no “samba†do dia-a-dia que se suaviza cada vez mais o modo de perceber a realidade, resultando em sorrisos gerados no mais íntimo. Basta que se descubra onde está o seu ponto de encaixe no meio de tantos possíveis, e é aí que reside boa parte do charme da vida!
Faixas: 01. Sol no Escuro / 02. Sem Mentira / 03. Automático / 04. Mundo Acumulado / 05. Estatística / 06. Sereno / 07. Sun of Your Eyes / 08. Mel / 09. Surfista / 10. Lembranças / 11. Salmão

Confira mais: www.fgoes.com.br


Eder Fonseca mantém um blog no endereço: www.ederfonseca.blog.br

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