Estamos assistindo um momento de aflição no mercado financeiro, com bolsas de valores despencando no mundo todo e o medo tomando conta, principalmente de quem mais esperava ganhar com seus investimentos.
A questão que me coloco, e agora pra quem está lendo essas palavras, é exatamente em relação aos investimentos que temos feito. Temos escolhido investir onde há maior expectativa de ganho pessoal, de preferência, sem saber quem está perdendo enquanto ganhamos.
A bolsa de valores é o grande exemplo prático dessas escolhas que temos feito. Compramos uma ação sem saber quem está vendendo, quem está por trás, o que faz, suas necessidades - e vendemos da mesma forma que compramos. Sem vÃnculos com o negócio, com qualquer parte envolvida, sempre com o foco em ganhar mais. Não vejo problema em ganhar mais, o ponto aqui é porque estamos querendo ganhar sem querer ver as consequências das nossas escolhas.
Queremos ganhar sem sentir culpa, sem sentir a culpa de saber que alguém está se dando mal com minhas escolhas. Caso exista um vÃnculo com a outra parte, vou achar muito esquisito ver o outro perdendo para suprir minha necessidade de ganhar. Ganhar junto com o outro acaba nos parecendo algo tão distante quanto os times do Brasil e da Argentina ganharem juntos a final da Copa do Mundo.
Esses são os valores que temos escolhido afirmar e reafirmar. Ao invés de olhar para essa culpa e este medo, preferimos negar tudo isso. Escolhemos desconfiar em primeira mão, com medo de perder, e escolhemos nos separar e nos desvincular com culpa por ganhar.
Será que existe uma outra maneira de lidar com esse medo e essa culpa? Será que existe uma outra forma de escolhermos para irmos juntos, além dessas limitações?
A minha resposta é sim, existe uma outra maneira, e tenho aprendido essa possibilidade através das minhas escolhas nas relações de cada dia. Tenho percebido pessoas muito queridas escolhendo de outra maneira, e me inspiro nessas escolhas.
Cito aqui a crise financeira, mas a crise vai muito além do mundo da grana, a crise permeia todos valores, todas nossas escolhas. A maneira que temos escolhido não se sustenta mais, está cada vez mais difÃcil nos cegar para as consequências. Os custos ao negar são muito maiores que os ganhos percebidos, queira ver ou não.
Assisti ao filme “Ensaio Sobre a Cegueira†na semana passada, aquele baseado no livro do Saramago. Saà do filme com a plena sensação de que a confiança e o vÃnculo entre pessoas é a única solução para olharmos o medo sem ser dominado por ele. Podemos escapar juntos, ganhando juntos ou continuarmos cegos, perdidos uns dos outros e sofrendo (aos cegos de vista fÃsica, já aviso aqui pra evitar algum processo na justiça: a cegueira aqui é somente uma metáfora para nossa dificuldade de ver o que está realmente acontecendo, ok?).
Olhar o medo e a culpa de frente pode doer, trazer tristezas e raivas escondidas. Pode parecer um monstro enorme, mas não vejo outra maneira para ir além. E fazer isso juntos é a grande possibilidade de enxergar de outra forma, a possibilidade de realizar o milagre de voltar a enxergar.
Seja na relação paciente-terapeuta, num casal, num grupo de amigos ou numa empresa, cada um que passa a enxergar pode compartilhar com o outro e assim vamos aprendendo a confiar, criando vÃnculos mais fortes, percebendo que ganho sempre que o outro ganha, perco sempre que o outro perde.
Não estou dizendo aqui para todos darmos as mãos e assim vamos mudar o mundo. Falo aqui da responsabilidade de cada um, da minha e da tua, se assim quiser escolher agora. O mundo todo não precisa escolher junto comigo agora, mas tenho certeza que um amigo, um grupo ou quem sabe uma empresa toda escolhendo juntos facilita muito esse trabalho.
Esse trabalho é essencial se quisermos ver com os próprios olhos, se quisermos ir além da ansiedade sem fim, ir além desse medo de perder nossos antigos valores e crenças. Muitos vão dizer que é uma utopia, uma ingenuidade, mas prefiro experimentar na prática.
Aqui um cego escreve, mas um cego decidido a enxergar, decidido a me ver em cada um que cruza o meu caminho. Decidido a criar junto, novas formas de se relacionar, novos modelos de negócios, novas possibilidades de confiar e amar. E quem quiser ser responsável pela própria felicidade, que caminhemos juntos, com o perdão pelas nossas dificuldades de enxergar e confiar.
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