Olhando as gravuras que o pintor francês Eugène Delacroix fez para ilustrar a peça “Fausto†de Goethe, eu penso comigo mesmo: “bem que as pessoas que trabalham com a polÃtica partidária no Brasil podiam prestar mais atenção na literaturaâ€.
Na verdade, o Fausto de Goethe é baseado em um personagem real que virou lenda e alimentou a literatura popular de fins do renascimento. O mundo do doutor Johannes Georg Faust, nascido por volta de 1497 na cidade de Knittinglen, era uma zona de fronteira entre as antigas artes esotéricas medievais e o universo da ciência moderna. Nas universidades, se estudava lado a lado, em um contÃnuo desconcertante, astronomia e astrologia, quÃmica e alquimia, biologia e magia natural.
Talvez por isso, naquela época, pairava sobre os médicos e os sábios uma estranha áurea sobrenatural. O fato é que depois da morte do Fausto histórico, toda uma mitologia sobre sua figura caiu no gosto popular e serviu para fomentar diversas croniquetas fabulosas sobre um suposto pacto que o dito médico teria feito com o diabo.
Durante todo o século XVI e XVII correram lendas sobre Fausto. Dizia o povo que ele teria virado teólogo na universidade de Heidelberg, que teria abusado de crianças em uma cidade chamada Kreuznach, que teria sido banido de Ingolstadt como charlatão após ter lido o horóscopo para um Bispo. Mil e uma histórias que misturam faustos reais e mitológicos em uma grande salada de prosa germânica e que acabaram por influenciar um livreiro de Fraknfurt, chamado Johann Spiess, que compôs em 1587 a primeira obra literária de uma série de autores que inclui nomes como Christofer Marlowe (1563 – 1593), um jovem escritor inglês que, segundo Harold Bloom, teria sido tão bom quanto Shakespeare, se não tivesse morrido com trinta anos, assassinado em meio a uma briga de bar (viu? Cachaça é uma merda, mesmo...).
Desses, Lessing e Goethe, são os escritores mais famosos a tratar do pacto do Doutor Fausto com Mefistófeles, um diabo curiosÃssimo, bem diferente do Satã heróico composto pelo poeta inglês John Milton no seu “O ParaÃso Perdidoâ€. O esperto Mefistófeles oferece ao seu contratante mais vida, mais poder e rejuvenescimento; em troca da sua alma.
Em 1947, seguindo a tradição dos faustos alemães, Thomas Mann publica Doutor Fausto, uma novela de 709 páginas (na edição brasileira) que eu ando lendo por esses dias. Ela me parece definitiva no campo da tradição faustica alemã. Mann, que é filho de uma brasileira, conta a história de Adrian Leverkühn, um músico talentoso, da mesma geração de Adolf Hitler, Heidegger e Wittgenstein, que após um diálogo com o diabo em um sonho, troca sua alma pelo poder de realizar uma grande obra artÃstica. Na verdade essa parece ser uma imagem literária para o grande pacto que a nação alemã fez com Hitler e que a levou, fausticamente, à grande devastação da segunda guerra e a quase total destruição da alma e da cultura de seu povo.
Quer seja o poder, a juventude devolvida, o prazer ou o orgulho de produzir uma obra artÃstica definitiva a figura do diabo, com sua mitologia ligada profundamente ao inconsciente coletivo da humanidade, sempre aparece propondo um pacto, um acordo, uma composição, um contrato, que parece ser vantajoso em um primeiro momento, mas que sempre tem no seu contraponto a dureza do preço a ser pago em contrapartida pela prestação do serviço. Coletivamente Mefistófeles é identificado com a força descomunal do capital que arrasa a terra e trucida o mundo natural para oferecer poder ao homem, mas pode aparecer na mente de qualquer um (inclusive daqueles que, por falta de tempo, interesse ou capacidade nunca leram um livro) como um propositor de pactos sedutores de poder. Entendeu porque seria interessante que polÃticos conhecessem de literatura? Talvez eles prestassem mais atenção a seus acordos. Mas, nem sempre a leitura de um livro de 709 páginas é suficiente porque, como diz Thomas Mann pela boca do narrador do seu romance “quem crê no diabo, já lhe pertenceâ€. Isso também vale para o universo da polÃtica, principalmente em época de eleição.
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