Profissão: Estudantes de Jornalismo

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Gus Vieira · Fortaleza, CE
13/4/2008 · 85 · 0
 

O jornalista tem uma função social bem clara: disponibilizar para a sociedade informação ética, de qualidade e democrática, atendendo ao interesse público. Mas diante uma reportagem, ele se depara com uma série de dilemas éticos. A partir dessa afirmativa, surgem diversos questionamentos. Como definir o que é interesse público? Quais os ônus e bônus de uma informação divulgada? A quem interessa determinada informação? Quem são os principais envolvidos, quem ganha e quem perde com a publicação de uma notícia? Com a publicação da notícia, quais seriam as possíveis conseqüências? A função da publicação seria alertar a população sobre um fato ou fazer denúncias sobre o desrespeito aos direitos
humanos?

Para incitar de fato todas as discussões possíveis relacionadas a práxis jornalística, foi proposta pela disciplina Legislação e Ética em Jornalismo, do curso de Comunicação Social da Faculdade 7 de Setembro (FA7), como forma de avaliação, a criação de uma reportagem sobre temas que envolvessem dilemas éticos. Os bastidores da produção dessa reportagem deram corpo a este trabalho.

Diante de uma infinidade de temas possíveis, um fato chamou a atenção da equipe na hora de definir a pauta. Recebemos a informação de que banheiros públicos em geral são utilizados para a prática de atividades sexuais. Um grupo de pessoas em especial, formado por homossexuais do sexo masculino, transformou os banheiros públicos em locais de encontros homoeróticos, onde exercem a prática da masturbação coletiva, atitude conhecida pela gíria de “pegaçãoâ€. Esse fato é mais comum do que se imagina. A constatação pode ser feita através do mais famoso site de relacionamentos do país, o Orkut (www.orkut.com).

Os praticantes criaram no Orkut inúmeras comunidades relacionadas ao tema, geralmente separadas por cidades. Locais como estádios de futebol, estações de metrô ou shopping centers são enumerados como os prediletos para a prática de dessa atividade. Ainda, alertam sobre seguranças e zeladores que já observaram movimentações estranhas no local e denunciam sobre possíveis abusos. Isso occore porque, ao serem descobertos, os praticantes são discriminados e submetidos à humilhação pública. Em alguns casos, chegam a apanhar e podem até ser presos.

Em verdade, a “pegação†é considerada um crime de atentado violento ao pudor, de acordo as leis brasileiras. Porém, alguns grupos de defesa dos direitos dos homossexuais reclamam que as pessoas flagradas fazendo “pegação†têm seus direitos humanos desrespeitados a partir do momento em que são superexpostas à violência.

A partir do momento em que o tema foi definido e devidamente delineado, surgiram algumas discussões a serem feitas, a priori, para que fosse dada continuidade ao trabalho. Os dilemas que surgiram logo no momento da definição da pauta foram divididos em três eixos principais: os que se referem à equipe, formada por estudantes de jornalismo e que deve prezar pela ética, pela prática do bom jornalismo e, antes de mais nada, preservar a integridade física e moral; os dilemas que se referem à sociedade, pois é dever do jornalista mesurar de que forma uma informação pode transformar as relações sociais; e por fim, os personagens da reportagem., que de uma forma ou de outra, serão expostos.

Em relação à própria equipe, surgiram algumas preocupações. Havia medo de perseguição por parte dos personagens envolvidos, pois uma reportagem deve servir para divulgar fatos que interessam o público sem que, no entanto, prejudique as relações com as fontes. Também existia um medo da pauta fazer apologia ao ato da pegação. De fato, o ato é considerado crime pela legislação brasileira, no entanto, não cabe ao jornalista julgar o que é certo ou errado, entretanto a discussão deve ser pertinente na profissão. É preciso que as pessoas saibam o que está acontecendo para que todos possam discutir sobre o tema. Uma última preocupação do grupo foi com as próprias pessoas envolvidas. De que forma abordá-las? Receberiam bem? Afinal, o tema é muito delicado e dificilmente, a equipe encontraria pessoas dispostas a falar abertamente sobre o assunto.

Em relação à sociedade, a equipe teve primeiramente medo de gerar uma mudança brusca de comportamento das pessoas a partir da divulgação da matéria. Como seria a reação das pessoas? Isso acirraria os preconceitos? Uma possível reação discutida seria de provocar pânico das pessoas, que poderiam deixar de utilizar os banheiros públicos com medo de serem “atacadasâ€. Ou não deixar crianças entrarem sozinhas no banheiro público, com medo de serem “molestadasâ€. Os grupos religiosos poderiam ampliar a luta pela “conversão†dos homossexuais. E os gays seriam ainda mais estigmatizados e estereotipados. Por isso, era preciso ter cuidado com palavras, termos ou expressões que não estimulasse nem a violência nem os preconceitos.

O que iria acontecer com os personagens envolvidos na matéria era, de fato, a maior preocupação da equipe. Além do medo de aumentar o preconceito ou estimular a prática da pegação, a equipe tinha que manter um equilíbrio entre os personagens. Evitar a superexposição e tentar entender o fato de algumas pessoas preferirem ficar no anonimato, mesmo entendendo que essa atitude não daria tanta credibilidade àquela fonte. Evitar abusos de ambos os lados, pois o nome de uma instituição ou de uma empresa não poderia ser depreciado por conta de uma mentira. Como também, nenhuma pessoa pode ter seus direitos humanos desrespeitados. Foi justamente, nesse momento que o grupo tentou criar formas de aproximação com as fontes. Qual a mais apropriada? Como ganhar confiança das fontes? A equipe deve ser expor também?

Primeiramente, foi criado um perfil para que a equipe tivesse acesso livre aos recursos do Orkut. O perfil tinha nome e foto falsos, além de comunidades relacionadas ao tema. A partir daí, a equipe passou a monitorar as conversas dos fóruns de discussões que existem dentro das comunidades. Os usuários descreviam os melhores banheiros da cidade para os encontros. Tinham shoppings, faculdades, terminais e grandes supermercados. Diziam os melhores horários para frequentar, se tinha guardas de olho ou não, onde o zelador ficava muito tempo e por aí vai. No meio dessas discussões, duas informações chamaram a atenção da equipe e nortearam todas as atividades.

Foi dada uma atenção maior a uma comunidade, chamada “Banheiros de Fortalezaâ€. Pelo elevado número de usuários participantes e pela freqüência das conversas dos fóruns, notava-se ali uma determinada relevância, dali poderia sair alguma fonte para a reportagem.

Para conseguir chegar mais rápido ao objetivo do trabalho, foram feitas, através do perfil falso, algumas perguntas. Eram coisas do tipo "alguém já foi flagrado?" ou "já ouviram falar de alguém que foi pego?". No entanto, não houve resposta. Era perceptível que isso não era o foco das conversas. Seria mais fácil conversar sobre qual o melhor banheiro pra ir ou o horário ideal para freqüentá-lo.

Mesmo sem as respostas para as perguntas feitas pela equipe, chegamos a duas informações que, devidamente investigadas, poderiam ser determinantes na realização da reportagem. A primeira informação se referia a um processo jurídico envolvendo um usuário do Orkut e o shopping Iguatemi. E a outra se tratava de uma denúncia contra os seguranças do terminal de ônibus da Paragaba.

Um usuário alertou para os demais que um amigo criou uma comunidade dentro do Orkut intitulada "Banheiros do Iguatemi - Fortaleza", relacionada à práticas sexuais nos banheiros dos shoppings. Ele disse que o shopping acionou a Justiça, exigindo a retirada imediata da comunidade e ainda localizou o computador de onde a comunidade foi criada. No relato, consta que a pessoa utilizava o computador do trabalho para acessar o site. Ao ser descoberto, além da demissão veio a discriminação das pessoas. No fim, o remetente dizia a todos sobre os cuidados ao usar indevidamente o nome de empresas ao nomear comunidades do Orkut. A priori, houve um interesse da equipe pela história. Se de fato, houve uma intervenção jurídica, o processo é público e qualquer cidadão teria acesso a ele. Entretanto, era necessário checar as informações. O grupo contactou o usuário pelo Orkut e não obteve retorno algum. O mesmo ocorreu com a assessoria de imprensa do shopping Iguatemi, que foi procurada por e-mail e telefone durante vários dias.

Em outra ocasião, também em uma comunidade do Orkut, um anônimo escreveu que nos banheiros do terminal da Parangaba havia um guarda que, à paisana, fingia urinar e ficava observando a movimentação local. Em seguida, ele saía e chamava os outros guardas para prenderem as pessoas que tivessem praticando algum ato considerado impróprio. Ainda segundo o relato, as pessoas eram levadas à sala da administração do terminal, localizada no andar superior do terminal, próxima aos banheiros, e lá eram torturadas e extorquidas. Diante desta denúncia, apesar de anônima, a pesquisa chegou a tomar outro rumo.

Antes de tudo, discutiu-se o que fazer com uma denúncia anônima. No caso do shopping, chegou-se a pensar que ninguém deveria se identificar como estudante de jornalismo, pois havia medo de uma retaliação. No caso do terminal de ônibus, no entanto, mesmo se não houvesse informação oficial, seria mais fácil se aproximar com as fontes. Os membros da equipe poderiam deveriam ir diretamente ao local e entrevistar zeladores, seguranças e administradores do terminal. Isso não seria problema. Mas, como chegar aos praticantes da “pegação� Alguém teria coragem de marcar um encontro com um repórter para contar tudo o que sabe? Como a equipe selecionaria uma “boa†fonte?

A tática, portanto, escolhida pelo grupo foi simples. Um dos membros da equipe procuraria a assessoria de imprensa da ETUFOR, empresa estatal responsável pela administração do transporte público de Fortaleza, o que inclui os terminas de ônibus. Enquanto isso, os outros buscavam encontrar fontes na internet, insistindo nas comunidades do Orkut. Em ambos os casos, a equipe foi orientada a se mostrar devidamente identificada como estudantes de jornalismo da Faculdade 7 de setembro, que estava realizando um trabalho sobre o caso da “pegação†em banheiros públicos dentro de uma disciplina acadêmica.

Antes disso, ao procurar a assessoria de imprensa do shopping, a equipe dizia que realizava um trabalho de ética e direitos humanos, e que todas as informações não seriam publicadas, pois seriam utilizadas para um debate interno na faculdade. Essa afirmação também mudou após algumas sugestões do orientador. Inclusive, deixou-se claro para as fontes que o trabalho poderia ser publicado em forma de reportagem.

A assessora de imprensa da ETUFOR respondeu ao e-mail enviado pela equipe de reportagem. O texto informava que a administração do terminal estava ciente do que ocorria nos banheiros e que os seguranças levavam as pessoas flagradas para a sala da administração para aguardar a chegada da polícia. A intenção de levar as pessoas para essa sala era de evitar constrangimentos ao expor os praticantes da “pegação†aos olhares do público. A nota dizia que somente a polícia podia tomar alguma decisão sobre o caso e acredita que os seguranças não praticam agressão nem extorsão nos presos, pois “quem tem boca fala o que querâ€, dizia a nota.

A chegada de uma resposta da assessoria animou a equipe que decidiu enfim, pelo menos por enquanto, esquecer o Iguatemi e focar o assunto no caso do terminal. Afinal, de qualquer forma, havia uma confirmação oficial de que esse fato realmente acontece, ou seja, não é coisa “inventada pelas pessoas da internetâ€, nem uma “sociedade secretaâ€. Só faltava encontrar um praticante que topasse conversar com alguém da equipe para, finalmente, começar a redigir uma matéria.
Enquanto a fonte disposta a "depor" não aparecia, a equipe iniciou uma pesquisa pela internet por notícias que evolvessem o tema do trabalho. Para surpresa de todos, a prática da "pegação" é mais comum do que se imaginava. Foram encontradas reportagens que descreviam o mesmo fenômeno em outras cidades do mundo. Um artigo científico, que tratava diretamente de atos sexuais em banheiros públicos foi achado e aproveitado na reportagem. Na web, informações falsas podem ser facilmente publicadas, por isso, tudo foi checado em pelo menos três sites diferentes. No caso do estudo sociológico, foram encontradas diversas citações dele em artigos publicados em páginas de universidades. Depois disso, ainda era primordial uma entrevista com algum praticante.

A tão esperada entrevista se deu quase no final no prazo de entrega da reportagem, portanto virou uma coordenada. De qualquer forma, foi importante para ilustrar o conteúdo da reportagem. O contato com o entrevistado se deu de maneira mais formal possível, pelo menos a princípio. A repórter estava tensa, pois tinha medo do entrevistado não acreditar nela ou menosprezasse o trabalho da equipe. A repórter mandou um recado para um usuário aleatório da comunidade do Orkut. Em seguida, este usuário pede para a repórter o adicionar como amigo. Ela aceita prontamente. A conversa ocorre através de um programa de bate-papo entre dez à meia noite. Antes, ele fuçou o perfil da repórter, disse que conhecia várias amigos dela e que, inclusive, já tinha visto ela em algum lugar. A repórter admitiu ao entrevistado que estava bastante apreensiva. Em contrapartida, disse a idade, assumiu o perfil verdadeiro e contou todos os detalhes que ocorrem durante um encontro em banheiros públicos. Apesar de conversarem bastante, ele se ofereceu caso a repórter precisasse de mais informações posteriormente. Afirmou ainda que tinha muito interesse que o trabalho fosse publicado.

Sobre a obra

Trabalho curricular apresentado na disciplina de Legislação e Ética, do curso de Jornalismo da Faculdade 7 de Setembro (FA7), sob orientação do professor Eduardo Junqueira. O texto mostra alguns dilemas éticos que envolvem a produção de uma reportagem polêmica. A equipe produziu o texto em novembro de 2007.

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informações

Autoria
Antino Silva, Gustavo Vieira e Natalie Caratti
Ficha técnica
Redação: Antino Silva, Gustavo Vieira e Natalie Caratti
Orientação: Eduardo Junqueira

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