Sempre Sol

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Pablo Capistrano · Natal, RN
2/6/2007 · 28 · 1
 


Ainda há lugar para a poesia em um mundo como o nosso? Qual a poesia desse mundo? Um mundo imenso. Maior que seus próprios limites, mais amplos que suas próprias fronteiras. Um mundo rápido, fulgaz, cercado de signos barulhentos e brilhantes. Talvez, a única resposta possível para questões desse tipo, esteja na própria poesia e no seu poder transportador. Na sua capacidade de fazer com que a mente humana ultrapasse os limites secos dessa esfera de linguagem banal que prende cada um de nós. Sim. Estamos boiando dentro de uma imensa esfera de linguagem banal. Como se fios invisíveis de trivialidades nos conectassem em frases simples, com menos de sete palavras. Frases soltas, vazias, perdidas de beleza e de força. Exauridas do poder de construir qualquer tipo de maravilhamento que justifique a experiência humana nesse mundo. Então, a poesia, mais do que qualquer outra força, abre as fissuras nesse tecido de linguagem cotidiana que nos liga aos programas de fofocas na TV, ao incessante trovejar de anúncios publicitários, ao ritmado “ratatá†dos noticiários televisivos. A poesia nos salva de uma linguagem pobre, de um cotidiano opressor. Ela abre nossas possibilidades e areja nosso ar, fazendo com que o mundo se torne menos insuportável e com que nossa alma esmagada pelo peso de um entorno desprovido de qualquer significado, possa suportar a andada dos dias.
Mais bom mesmo é quando a poesia se casa com a música e se torna canção. Demorou para o Esso Alencar, compositor potiguar radicado em São Paulo, trazer ao público seu CD. Desde os anos noventa, quando fazia os vocais da banda Os4, no cenário underground de Natal, Esso vem colecionando um pequeno conjunto de pérolas poéticas transformadas em canções tristes e preenchidas de uma leveza que nos transporta. Firmando parcerias com Waldenor (que tocava bateria na época de Os4) e Franklin Mário, Esso conseguiu dar uma forma sonora ideal a suas poesias. Apesar do nome provocativo (Bossta Nova) o CD do Esso Alencar traz poucos rastros da época punk de Os4. Mas as influências dos anos oitenta e noventa estão lá, transmutadas em sonoridades mais clássicas. Parece que São Paulo conseguiu dar a forma certa ao lirismo azulado desse sertanejo, nascido à sombra da Serra do Lima, no alto oeste potiguar.
O Barulho da metrópole aparece em Bossta Nova. Surge nas interferências e nas experimentações dos inúmeros “barulhinhos†que dão forma ao entorno das canções. Mas a sonoridade da metrópole não arranhou o tecido musical do disco. Ele foi apaziguado e foi sutilmente transformado em detalhe. Nesse CD, São Paulo não assusta, não esmaga, não esquizofreniza, nem polui o ouvido com os resíduo de uma sociedade que se esgota dia a dia. O mundo liquefeito de banalidades auditivas e lingüísticas que nos rodeia não fere as canções de Esso Alencar. Elas são janelas. Aberturas. Fendas. Fissuras de poesia numa imensa parede de uma metrópole que costuma a moer a alma de quem chega detraído e desatento. O Sertão, o Litoral e o Asfalto. Três ambientes. Três experiências. Três entorno para emoldurar belas canções. Esso Alencar costuma a nos levar a cada um desses lugares e preencher com sua suavidade lírica alguma das nossas mais inquietantes ansiedades. Sinta cada canção sua como uma janela, onde um mundo de sempre sol, mesmo com chuva, costuma a traçar uma nova língua. Como na canção Dialética: “Se você fala a mesma língua minha – amor, amor, amor e amor – aproxime-se! Diga repetidas vezes comigo – amor, amor, amor e amor – incansavelmente/ Deixa que eles passem distraídos/ Absortos em seus problemas/ Sem entenderem o dialeto do amor/ Enquanto nós dançamos aqui reunidos em volta do vinho/ a cantar o dialeto do amorâ€.

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Pablo Capistrano
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Andre Pessego
 

Pablo, eu também me pergunto. Pessoalmente nao tenho um pingo de qualidade, de dotes, poéticos... Às vezes me atrevo para atender à pressa, do mundo, falar pouco, o tal resumo do resumo,
e na ânsia da feura Sim a ganância é uma feura, e por aí vai, um abraço andre.

Andre Pessego · São Paulo, SP 3/6/2007 21:49
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