Um País que não existe

Sim. Ganhamos 2014. Quando a humanidade estiver comemorando os cem anos do início de uma das maiores tragédias da era tecnológica (a grande guerra do século XX, que segundo alguns vai de 1914 até 1945 com um intervalo de duas décadas) nos, no Brasil, estaremos realizando nossa copa.

Ando meio desconfiado com o Brasil. Não que eu não acredite que uns bilhões de reais e mais uns fuzis do BOPE possam dar uma maquiada no caminho para os novos estádios durante a Copa. Fazer isso vai ser fácil. Para argentino nenhum botar defeito como disse o presidente. O problema é que eu estou começando a acreditar que o Brasil não existe. Não sei se você já sentiu isso, mas é estranho perceber que você vive em um país que não existe. Há vários exemplos de reinos mitológicos cercados pelas brumas da imaginação: São Saruê, Avalon, Shangrilah, a Terra do Nunca. Muitos são os reinos imaginários que povoam o inconsciente coletivo da humanidade. Inclusive uma terra que existia na antiga mitologia celta chamada “Hy Brazyl�. Lugares utópicos e extraordinários onde as coisas não funcionam como nas tediosas terras reais.

Certo. Eu sei. Você vai me dizer que tecnicamente um país é uma porção de terra com um Estado, uma bandeira, um hino e uma seleção de futebol. Sob esse ponto de vista o Brasil é real. No entanto há um problema que às vezes passa despercebido. Um estranho e incômodo detalhe que às vezes nos constrange. A sensação que eu tenho é que falta uma “nação� para se fazer um Brasil de verdade.

Existem duas formas de você inventar uma nação. Ou você inventa um povo, ou você inventa uma constituição. Um exemplo de nação com um povo inventado é a Alemanha. No século XVIII pensadores do romantismo alemão começaram a defender a idéia de que aquele monte de tribos germânicas, que falavam dialetos distintos, na verdade tinham um mesmo sangue, faziam parte de uma mesma família. Pronto estava formada as bases de uma nação. Um exemplo de uma nação com uma bandeira e uma constituição inventadas são os EUA. Lá não há uma identidade étnica. Não existe um “povo� norte americano. Afro-americanos, americanos nativos, irlandeses, judeus, árabes, latinos, wasps. Cada um na sua. Cada um com sua reserva sanguínea. Eles não criaram um povo, mas inventaram uma bandeira, um hino e uma constituição. Isso deu a sensação ao norte americano que ele tem algo em comum com seu vizinho. Mas o Brasil me parece mais uma invenção da língua portuguesa e da igreja católica. Hoje a pergunta fundamental do brasileiro da favela e do brasileiro do condomínio de mansões é: “o que nos une?� Qual o vínculo, qual o liame, a ligação que nos torna a todos brasileiros? Por mais que a mitologia do mestiço seja cantada em verso e prosa pelos quatro cantos das propagandas oficiais dos governos Brasil a fora, nossa sensação é que nunca fomos “um povo� de verdade. As discrepâncias regionais, os desníveis econômicos, as origens históricas, tudo isso parece que nos separa mais do que nos une. Nossa constituição... bem, deixa para lá, não vou sofrer falando sobre nossa constituição.

Talvez o Brasil seja mesmo um país que não existe com uma nação que ainda não se criou. Provavelmente ainda estamos esperando pelo grande momento inaugural da nação brasileira, pelo detalhe que faltava em nossa mitologia particular para fazer com que o favelado e o playboy, o gaúcho da Serra, o baiano do pelourinho e o marrano do sertão se identifiquem e cooperem na construção de um Brasil coletivo. Quem sabe uma copa do mundo não ajuda. Afinal se em 500 anos o Brasil não inventou nem um povo, nem uma constituição ao menos inventou uma seleção de futebol.