Há 25 anos: Briga de cachorro grande

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Cláudia Flores · Porto Alegre, RS
14/12/2008 · 75 · 0
 

Eu tinha apenas dez dias de vida – embora minha mãe diga que eu nasci gordota como uma criança de três meses – quando ele!, Ruy Castro, publicou na Ilustrada da Folha de São Paulo uma polêmica bem polêmica entre dois sujeitos muito polêmicos.

De um lado, Caetano Veloso (ícone iconoclasta tropicalista) que havia recém entrevistado Mick Jagger (ícone roquenrrôl) no programa Conexão Internacional, de Roberto D’Ãvila (grande entrevistador), na TV Manchete (que já foi pra cucuia) em 1983. De outro lado, a crítica ácidosulfúrica de Paulo Francis que, não gostando da dita entrevista, publicou o seguinte na FSP do dia 25 de junho de 1983:

"É evidente, por exemplo, que Mick Jagger zombou várias vezes de Caetano na entrevista na TV Manchete. O pior momento foi aquele em que Caetano disse que Jagger era tolerante e Jagger disse que era tolerante com latino-americanos (sic), uma humilhação docemente engolida pelo nosso representante no vídeo."

Ao saber-se lascado pelo texto altamente corrosivo de Francis, Caetano retrucou sem o mesmo refinamento de seu adversário, ao mesmo jornal:

"Agora o Francis me desrespeitou. Foi desonesto, mau-caráter. É uma bicha amarga. Essas bonecas travadas são danadinhas."

Hilário, não? Como se não bastasse o bafafá esse, Ruy Castro pôs mais lenha na fogueira publicando uma enquete com personalidades brasileiras com a seguinte pergunta: “quem faz mais sua cabeça: Paulo Francis ou Caetano Veloso?†Antes de ficar imaginando as pérolas que apareceram nas respostas, veja você mesmo qual foi o escore desta briga.

QUEM FAZ MAIS A SUA CABEÇA: PAULO FRANCIS OU CAETANO VELOSO

Por RUY CASTRO
8 de outubro de 1983 - Ilustrada
Com colaboração de Âmbar de Barros

É a polêmica do século. Ou a deste fim de semana -por aí. A cidade está acompanhando, entre perplexa e apaixonada, a briga entre o jornalista Paulo Francis, correspondente da Folha em Nova York, e o cantor e compositor Caetano Veloso, pelas páginas deste caderno. Há algumas semanas, Paulo Francis criticou a entrevista que Caetano realizou com Mick Jagger no programa “Conexão Internacionalâ€, da TV Manchete, classificando de reverente e submissa a postura de Caetano diante do complacente líder dos Stones.

Caetano não gostou e, numa entrevista coletiva nesta terça-feira, rompeu publicamente com Francis, a quem sempre admirou, chamando-o de “bicha amarga†e “boneca travadaâ€. A resposta de Paulo Francis foi publicada na edição de quinta, em que ele devolve a Caetano os epítetos e lamenta que um argumento cultural seja respondido com insultos.

Tsk, tsk. Mas a briga existe e não se fala em outra coisa. Espera-se que ela sirva pelo menos como base de discussão sobre o conceito do intelectual no Brasil, a liberdade de expressão e a maior ou menor qualidade da nossa atual produção artística. Afinal, ambos têm mais do que cacife para isso.

São pessoas corajosas, inteligentes e talentosas. E estão entre os intelectuais e artistas que mais fizeram cabeças neste país nos últimos 20 anos. Quem faz mais a sua cabeça: Paulo Francis ou Caetano Veloso? Esta foi a pergunta que a Folha fez a várias pessoas influentes. Eis as respostas. (E, ah sim, antes que eu me esqueça: nenhum dos dois é bicha.)

AUGUSTO DE CAMPOS, poeta e tradutor: “Não tem dúvida: sou 100% Caetanoâ€.

JÚLIO MEDAGLIA, maestro e um dos inventores do tropicalismo: “Neste momento, Paulo Francis é mais criativo. Ultimamente, Caetano só tem feito bolerosâ€.

DÉCIO PIGNATARI, poeta e professor de literatura: “Os dois fazem igualmente a minha cabeça. Paulo Francis é um homem claramente ideológico e às vezes incursiona no terreno artístico. Caetano é o contrárioâ€.

MINO CARTA, jornalista e editor da revista Senhor: “Com respeito por ambos, nem um nem outroâ€.

GILBERTO BRAGA, autor de novela “Louco Amorâ€: “Pela emoção, Caetano. Pela razão, Paulo Francis. Mas, pelo que andam dizendo um do outro, eu poria os dois de castigo durante uma horaâ€.

CARLOS BRICKMAN, jornalista, editor de economia da Folha: “Entre os dois, graças a Deus fico com Millôr Fernandesâ€.

HENFIL, cartunista: “Paulo Francis. Pela sabedoria, pelo compromisso com as outras pessoas e pelo seu orgulho de ter sido preso por suas idéias, enquanto Caetano se envergonha disso. Caetano diz que não lê jornais, mas é capaz de citar o dia e a página de qualquer jornal que tenha falado dele, mesmo que seja a ‘Gazeta de Nanuque’. E eu gosto mais da música do Francisâ€.

BELISA RIBEIRO, apresentadora do programa “Canal Livreâ€: “Caetano. Porque, por ele, dá para a gente se apaixonarâ€.

ZÓZIMO BARROZO DO AMARAL, colunista: “Paulo Francis. Eu faço parte da macaquice do auditório deleâ€.

FÃBIO MAGALHÃES, secretário da Cultura municipal: “Nenhum dos doisâ€.

JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI, filósofo e professor: “Os dois não fazem nem o meu pé, quanto mais a minha cabeçaâ€.

CARLITO MAIA, publicitário: “Quem faz a minha cabeça é o Goulart, que me corta o cabeloâ€.

FLÃVIO GIKOVATE, psicanalista: “Caetano Veloso. Sem comentáriosâ€.

JOÃO CÂNDIDO GALVÃO, jornalista, editor-assistente de Veja: “Paulo Francis, porque é mais paradoxal. Caetano anda muito óbvioâ€.

SÓCRATES, jogador do Corinthians e da Seleção: “Admiro os dois como profissionais destacados em suas respectivas áreas, mas nenhum deles faz a minha cabeça. Aprecio informações do Paulo Francis, gosto de muitas músicas do Caetano, mas nenhum deles influi na minha maneira de pensar ou agirâ€.

CASAGRANDE, centroavante do Corinthians: “Caetano Veloso. É um poeta. Gosto também do comportamento dele, que é agressivo com a sociedade. Aliás, como o meuâ€.

MARÃLIA GABRIELA, apresentadora do programa “TV Mulherâ€: “Quando eu quero poesia, prefiro Caetano. Quando quero bom jornalismo, prefiro Paulo Francisâ€.

JOÃO DÓRIA JR., presidente da Paulistur: “Nenhum dos dois. Mas eu prefiro a doçura musical do Caetano à acidez redacional do Paulo Francisâ€.

ANGELI, cartunista: “Eu misturo os dois. Pego o lado doce do Paulo Francis e o ferino do Caetanoâ€.

GERALDO MAYRINK, jornalista, editor-assistente de IstoÉ: “Paulo Francis - porque, pelo menos, nunca pediu a minha cabeça, como fez o outro. Além disso, Francis se tornou um dos maiores entertainers do nosso show businessâ€.

EDUARDO MASCARENHAS, psicanalista: “Caetano, claro, porque tem mais humor, talento e arte que o sr. Paulo Francis. Caetano já me faz a cabeça há 15 anos. Já o sr. Paulo Francis, no que respeita a subjetividade, é extremamente primário. Mas eu não sei como andam os interiores do sr. Paulo Francisâ€.

WASHINGTON OLIVETTO, publicitário: “Que país mais chato este, em que os inteligentes brigam e os burros andam de mãos dadas!â€.

ANTONIO MASCHIO, ator e proprietário do Spazio Pirandello: “Paulo Francis, sem dúvida. É um homem do mundo. Caetano, quando muito, é um homem do Brasil. Se todas as bichas do Brasil fossem ‘travadas’ como o Paulo Francis, este país estaria muito melhorâ€.

CLODOVIL, costureiro: “Eu, hein? Nesse angu, eu não me meto!â€.

APARÃCIO BASÃLIO DA SILVA, escultor e perfumista: “Paulo Francis. É um conselheiro literário formidávelâ€.

PIETRO MARIA BARDI, diretor do Museu de Arte de São Paulo: “Na minha idéia, é Paulo Francis, hoje o maior, mais atual, mais vivo, mais inteligente e mais inventivo escritor brasileiroâ€.

TÃO GOMES PINTO, jornalista da Folha: “Caetano Velosoâ€.

CAIO TÚLIO COSTA, jornalista, secretário da Redação da Folha: “Entre a razão e a emoção, eu fico com Paulo Francisâ€.

MARTA SUPLICY, sexóloga: “Eu gosto dos dois, mas nenhum faz a minha cabeçaâ€.

TAVARES DE MIRANDA, colunista social da Folha: “Quem faz a minha cabeça é Jesus Cristoâ€.

RUBENS GERCHMAN, artista plástico: “Paulo Francis. Ele está há anos no centro da ação –sempre no frontâ€.

JOSÉ GUILHERME MERQUIOR, diplomata, ensaísta e acadêmico: “Não gosto da expressão ‘fazer a cabeça’. Acho-a alienada. Quem faz as minhas idéias, com muita dificuldade, sou eu mesmo. Não tenho nada a considerar sobre esses dois personagensâ€.

THOMAZ FARKAS, produtor cinematográfico e empresário: “Os dois me fazem a cabeça, cada qual do seu jeitoâ€.

HELENA SILVEIRA, jornalista e colunista da Folha: “Quem me faz a cabeça é Anthonio Carlos, meu cabeleireiro. Admiro Paulo Francis como colega, gosto de Caetano com restrições. Guru é coisa que já eraâ€.

JOSÉ ROBERTO AGUILAR, artista plástico: “Caetano é meu amigo, moramos três anos juntos em Londres. Mas o Francis também é genial e seus livros são monumentais. O problema do Francis é que ele é de uma geração que só ouve jazz e música clássica, e passou a largo da geração do rock. Assim, fica reduzindo tudo a uma coisa de ‘lumpenproletariat’. Mas o rock não é só isso. O rock já tem sua literatura e sua culturaâ€.

CARLOS VOGT, lingüista e professor da Unicamp: “Gosto da música do Caetano e acho divertida a destemperança com que escreve Paulo Francisâ€.

JOSÉ MIGUEL WISNIK, professor de literatura: “Cada um de nós faz a sua própria cabeça, mas as sete faces do Caetano ressoam mais em mim do que a cabeça de papel do Paulo Francisâ€.

JULIO BRESSANE, cineasta: “Minha cabeça é feita pelos dois. A região que Caetano ocupa, que é a da poesia e onde habito, é a maior. Mas o Paulo Francis, que é hoje o maior articulista do Brasil, também ocupa uma região imprescindível. Inclusive já começamos a trabalhar juntos numa adaptação para o cinema do seu romance ‘Cabeça de Papel’â€.

ZIRALDO, teatrólogo e humorista: “Sou Caetano. Mas não assumoâ€.

MILLÔR FERNANDES, pensador e humorista: “Olhem, não me meto em briga de baianosâ€.

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