Há poucos dias tivemos a oportunidade de conhecer a indigenista Geralda Soares. Ela representa o esforço pela valorização e resgate da cultura e história indÃgenas de toda a porção Leste de Minas Gerais, região que engloba os vales do Rio Doce, Jequitinhonha, Mucuri e São Mateus.
É esta região qual diversas etnias indÃgenas se refugiaram até o século XIX dos “portuguesesâ€, dos Kraà (os loucos), dos brancos.
Estas etnias foram chamadas de Botocudos, em alusão às tampas de barris de bebida alcóolica.
TÃnhamos aà uma questão delicadÃssima, a Alteridade. Os brancos, que se pensavam os homens de verdade contra os botocudos, os selvagens, as tampas de barris... Por outro lado tÃnhamos os Borun, nome que os Ãndios se chamavam, significando “homens verdadeiros†em contraposição aos KraÃ, os de cabeça doida.
Não poderia haver outra coisa: guerra, massacre, sangue.
A história no Mucuri também é assim, com suas ressalvas, com suas exceções. Sempre poucas.
E no fim das contas temos a história dos vencedores: os brancos, os KraÃ.
Os indÃgenas que não morreram, tentaram a todo custo mimetizarem-se. Muitos conseguiram, muitos desapareceram.
O trabalho da nossa amiga Geralda Soares é não somente o de contar a história dos que “perderam†a guerra, as também de buscar aqueles que abandonaram o ser Ãndio para sua própria sobrevivência. Este é o caso dos Mocuriñ.
Passaram décadas como não Ãndios, mas no inÃcio do século XXI, retomaram sua condição e história indÃgenas e estão, com muito trabalho, revisitando sua ancestralidade, buscando e interpretando sua existência, pesquisando e retomando suas tradições.
No dia 15 de abril, fomos com ela para conhece-los. Estávamos ansiosos. A expedição até a comunidade indÃgena dos Mocuriñ contou com a presença de Ademar Lemos, Leonardo CambuÃ, Bruno Bento e claro, Geralda Soares.
Não saÃmos tão cedo quanto imaginávamos, mas chegamos a tempo do almoço que Dona Castorina tinha-nos preparado: frango caipira, arroz, feijão e macarrão. Estava delicioso.
Aos poucos foram chegando, uns sozinhos, outros em grupos, em núcleos familiares, e cada um com seu cachorro e um papagaio. Logo tÃnhamos mais de 10 pessoas discutindo sua história, as notÃcias dos familiares, daqueles que não puderam reunir-se, dos que ainda moram em outros lugares e de suas inquietações como comunidade e como indÃgenas. Assistimos ao vÃdeo de um casamento recente Maxakali. Foi discutida a participação em eventos nos quais a condição indÃgena é o principal tema, e as mulheres presentes solicitando mais participação.
Das mais de dez pessoas que dissemos, haviam 4 gerações, avós, filhos, netos e bisnetos. Os últimos já nasceram Ãndios, Mocuriñ!
Um assunto nos chamou bastante atenção, a construção do Kieme, a casa coletiva onde as reuniões, encontros, discussões e festas ocorrem, é o ponto nevrálgico da aldeia, da comunidade. Esperamos estar lá para vermos e registrarmos este momento importantÃssimo na retomada de no reapoderamento do ser Ãndio dos Mocuriñ.
As fotografias retratam este nosso encontro e os momentos das discussões, e são nosso presente, aos indÃgenas deste nosso Mucuri, do Leste, Jequitinhonha e São Mateus, e são nosso presente aos Mocuriñ, à nossa nova mas grande amiga, Gêra, e a todos os Dias do Ãndio, todos os dias!
Clique aqui para acessar o álbum online.
Para um pouco sobre a história dos Mocuriñ, trazemos um trecho extraÃdo do livro Na Trilha Guerreira dos Borun, de Geralda Soares[1]:
O Povo Mocuriñ é formado pelos descendentes do Capitão Pohok, condutor de longa migração de vários povos, saindo da proximidade dos colonos europeus no Vale do Mucuri e se estabelecendo no vale do Itambacuri.
Pohok torna-se aliado dos Frades Capuchinhos na fundação do Aldeamento de Itambacuri em 1873. E avô de Domingos Ramos Pohok ou Pacó, primeiro professor indÃgena bilÃngue de Minas Gerais.
Os Mocuriñ vivem hoje na Comunidade dos Xavier, no MunicÃpio de Campanário, no Vale do Mucuri.
Domingos Ramos Pacó, sua filha Noemia Xavier e o indÃgena Chico Bugre são os antepassados mais próximos dos atuais Mocuriñ.
Ao todo são aproximadamente 100 pessoas que vivem na área rural e urbana desta região. Algumas famÃlias migraram para São Paulo e Belo Horizonte.
Domingos Ramos Pacó escreve a História de Itambacuri que é arquivada no APM (Arquivo Público Mineiro) em Belo Horizonte por Frei Olavo Timmers, OFM.
Em 1986 este documento e publicado pelo economista Eduardo Ribeiro no livro "Lembranças da Terra do Jequitinhonha e Mucuri", e em 2006 uma equipe de pesquisadores do CEDEFES e do Conselho dos Povos IndÃgenas de Minas Gerais e do GTME faz os primeiros contatos com a comunidade dos Xavier, iniciando aà seus contatos com entidades ligadas a Causa IndÃgena, com os demais indÃgenas e com a FUNAI.
Passam então a participar das atividades organizadas pelos indÃgenas e apoiadores.
Em 2006 são oficialmente apresentados na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. O povo Mocuriñ luta pelo seu reconhecimento pelos órgãos oficiais, pelo direito a um atendimento diferenciado na educação e saúde e pela ampliação da área de 19 alqueires em que vivem.
O reconhecimento do Povo Mocuriñ como mais um povo indÃgena de Minas e o resgate de uma divida histórica do Vale do Mucuri, de Itambacuri e da Sociedade para com aqueles que sobreviveram ao longo processo de exclusão e discriminação dos indÃgenas nesta região.
--------------------------------------------------------------------------------
[1] SOARES, Geralda Chaves. NA TRILHA GUERREIRA DOS BORUN. Belo Horizonte: Núcleo de Publicação do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix., 2010. P. 209-211.
VALORIZANDO O MUCURI
Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
Você conhece a Revista Overmundo? Baixe já no seu iPad ou em formato PDF -- é grátis!
+conheça agora
No Overmixter você encontra samples, vocais e remixes em licenças livres. Confira os mais votados, ou envie seu próprio remix!