Iluminações avulsas são presentes do instante. São acontecimentos e não fatos. Frestas que se abrem no repente.
Não são coisas que se procuram, mas que se acham.
Trago aqui o olhar de um menino deparando-se com um olhar nômade. Encontro de gigantes, acredite. Isso é um acontecimento. Se quiser, a fabricação de um mundo.
Nesse dia, andava com meu filho Arthur, então com 05 anos de idade. No trajeto, um homem de bigodes negros, com um chapéu branco, botas de plástico também brancas e um saco às costas, vasculhava objetos entre os detritos da manhã de sábado.
Aquele homem não parecia um mendigo, não parecia nada com o que estamos acostumados numa grande cidade como Belo Horizonte. A não ser nisso: procurar, entre as coisas que os outros jogam fora, algo que sirva. Arthur me puxa e diz:
- Olha, o vaqueiro!
Parei por um instante, fazendo logo uma interpretação: a ligação do menino com a roça, onde brinca nas férias. Pronto! Nada pecisa acontecer, pois o hábito nos salva de qualquer incômodo latente, impedindo o novo de vir à tona.
Voltamos a andar.
O homem logo nos alcançou, num trajeto paralelo ao nosso. Por um tempo que dura, caminhamos lado a lado em silêncio: Arthur de mão dada comigo, o homem de chapéu que parecia com o de um vaqueiro. Era um corte abrindo um veio naquela manhã, fazendo fluir as sensações de nosso percurso, em meio à margem da calçada e o tráfego dos carros. Agora éramos três a caminhar.
E num repente, não sem quase soltar da minha mão, Arthur dirige-se ao caminhante que fazia a estranheza avizinhar-se de nosso percurso:
- Moço, cadê o seu cavalo?
O homem parou e olhou para nós. Depois fitou o menino num tempo de muitas estações. Concebi que ele diria qualquer dessas coisas que dizemos às crianças imaginativas: “ora, o meu cavalo...†Mas não foi isso. Sua resposta foi uma pergunta:
- O meu cavalo?
Novo silêncio. E ficamos os três parados. E ele olhava para o menino com os olhos cheios de um brilho molhado. E não é que ali estava um homem sem cavalo? Não me peça para explicar isso.
O homem, então, toma outra direção e a manhã de sábado retoma seus hábitos.
Gosto tanto de pai que passeia pé com a cria
que me enrosco feito pão na (ah, ah!) chimia
Grata pelas lembranças de minha mão pendurando meu corpo ao gigante. Também sem cavalo, embora igualmente procurante,
Se me dão licença para aparentar cata com lavra
Muito boa a sua história! Ela serve para a nossa reflexão sobre tantos outros homens sem cavalos, que existem em nosso paÃs. Quando vejo esses casos, me pergunto se essas pessoas nunca tiveram parentes, nunca foram crianças amadas, e como podem de uma hora para outra, serem transformadas em pessoas sem casa, sem comida, sem remédio, sem amor, sem nenhuma assistência, e como se costuma dizer: perdidas no mato, sem cachorro e sem cavalos também.
erosilba · Campo Grande, MS 14/3/2007 11:48Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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