Na segunda parte da série sobre o teatro carioca em maio de 2006 se abordou a produção. Durante pouco mais de quarenta minutos, uma conversa com três dos integrantes da Ordinárias Produções ArtÃsticas foi registrada por uma câmera de filmagem e pelo um duo iPod-iTalk.
Ordinárias Produções ArtÃsticas: reação e ação
Apresentação dos personagens(por Bruno Maia):
Três jovens que se dizem quatro. Carolina Portes, Pablo Sanábio e FabrÃcio Belsoff participam da conversa e registram a ausência de Moacir Siqueira, que “está na rua resolvendo coisas de produçãoâ€. O pouco material levantado na pesquisa não me permite uma pré-impressão. Tudo é novidade ao encontrá-los e, também por isso, nada surpreende muito. Têm a mesma faixa etária que eu. Parecem amigos de amigos que conhecemos nas mesas de bar pelas noites de sextas-feiras afora.
PABLO : Sorridente, de ar tranqüilo e fala agitada. As mãos acompanham a fala e o olhar é dinâmico. Camiseta vermelha sobreposta por uma blusa social cinza com as mangas dobradas na altura dos cotovelos. Calça jeans escura.
FABRÃCIO: Austero e parcimonioso. Olha para a câmera enquanto fala. Camiseta regata branca, calça jeans cortada na altura dos joelhos desfiada.
CAROLINA: Baixinha, pilha pura, uma inquietação tÃpica de artista. Olha para o interlocutor. Blusinha azul, saia comprida jeans, All-Star vermelho. Óculos escuros na testa, pasta grossa e verde na mão.
Apresentação feita pelos próprios:
PABLO: – “Olá, nós somos a Ordinárias Produções ArtÃsticas. A Ordinárias é composta por mim, Pablo, Pablo Sanábioâ€.
CAROLINA: – “Carolina Portesâ€.
FABRÃCIO: – “FabrÃcio Belsoff."
PABLO: – “Tem mais um que é o Moacir Siqueira que não está aqui, está na rua resolvendo coisas de produção agoraâ€. (risos)
A CAL (Casa das Artes de Laranjeiras) é uma das escolas mais tradicionais de teatro no Rio de Janeiro. Foi lá, no curso de formação de atores, que esse grupo de amigos se conheceu e forjou sua personalidade artÃstica que hoje começa a lançar frutos. Formados no final de 2004 – mesma época em que este que digita retirava o diploma de jornalista (pfff) –, se depararam com a falta de perspectivas para inserção de jovens profissionais no mercado de trabalho – caracterÃstica que, definitivamente, não é particular das artes e assola a imensa maioria das áreas. Não vamos entrar na discussão sobre as razões disso. Nem vamos falar da baixa taxa de crescimento que assola o paÃs há um quarto de século. Isso não interessa aqui e não interessou a eles, que se reuniram e resolveram formar uma pequena empresa para produzir as peças que eles tivessem vontade de montar para si e para seus amigos. “A gente é ator. Nós resolvemos juntar o que sabemos fazer, que é atuar, com esse outro talento que nós fomos descobrindo na escola, que era produzir com os mesmos interessesâ€, explica Carol – é assim que todos a chamam. “Eu saÃa da aula e ia pra casa ler o site do MinC pra saber da Rouanet, pra me aprofundar, porque eu gostava daquilo. A professora tocava no assunto e eu ia atrásâ€, relembra a produtora/atriz. A auto-afirmação como ator vem também da atuação em projetos de outras pessoas, para os quais são convidados. O ‘lado produtor’ deles é movido por um olhar na direção da sua própria geração. “Existe um nicho de mercado, uma galera que está querendo produzir coisas e não consegue um produtor. A gente começou a pegar esse pessoalâ€, diz Pablo, antes de ser completado por Carol: “É uma galera da nossa geraçãoâ€.
A experiência deu muito certo e, em menos de dois anos, os resultados são frondosos. A primeira montagem foi a peça “Esses anos estúpidos e perigososâ€, do escritor canadense George F. Walker, que ficou um ano em cartaz e permitiu ao grupo viajar por todo o Rio de Janeiro, fazendo o circuito dos SESC’s. A montagem foi dirigida por João Fonseca, que se tornou uma espécie de padrinho da produtora. Nos quatro primeiros meses de 2006, o grupo já se envolveu com a montagem e produção de mais sete espetáculos, sendo que o principal deles ainda está por vir:
CAROL: - “ ‘A Ratoeira’, da Agatha Christie, foi um dos projetos que nos estimulou a criar esta produtora e agora está saindo. Já conseguimos uma parte da grana, estamos terminando a captação, mas é fato que nós vamos lançá-la no segundo semestreâ€.
Ela vai ser a única entre os sócios que vai estar no elenco de atores do espetáculo. Os outros três vão trabalhar na produção. O critério de análise sobre a participação, ou não, de um deles nos espetáculos foi, inevitavelmente, o norte da pergunta seguinte. Como resposta, a explicação de que o desejo pessoal era levado em consideração, mas que não se sobrepunha ao que todos acordavam como sendo o melhor para o espetáculo. Esteticamente, as opções do grupo ainda não são claras. Os interesses estão diretamente ligados às vontades individuais e coletivas de momento e não a uma proposta estética de teatro.
(sem pausas, conversa rápida)
CAROL: - “Nós escolhemos fazer o que a gente gosta. Algum de nós chega com um texto, os outros lêem e a gente discuteâ€
PABLO: - “De repente, se é um texto importante, ou de repente, se é um clássico, ou de repente, se é um autor que não é muito conhecido no Brasil, ou, sei lá, um novo dramaturgo brasileiro, sabe?... A gente quer tentar ter alguma coisa de inédito, ter um diferencial nesse ponto. Ter algo de qualidade que as pessoas possam queiram ver e... e... e muita coisa do ousar também... a gente gosta da ousadia...â€
CAROL: – “É, é isso, a proposta vem de qualquer lugarâ€
PABLO: – “E principalmente que tenha qualidadeâ€...
(em cima da fala de Pablo)
CAROL: – “E o legal é sempre ler e vamos sentar para conversar...
PABLO: – “... a gente quer tentar produzir o filé mignón do teatro..., rsrsâ€
(interrompendo as reticências de Pablo)
INTERLOCUTOR: – “Mas como assim? O ‘filé mignón’ se dá sobre qual paradigma? O que vocês usam para avaliar a qualidade dessa carne?
FABRÃCIO (sereno e austero): – “Acho que varia muito. Agora nós temos dois projetos que partiram das nossas cabeças, então vamos tomar um como exemplo. O “Esses anos estúpidos e perigosos†tinha todos esses critérios que o Pablo falou, de ser uma peça inédita, interessante, de ter sido um autor moderno, contemporâneo, que fala de coisas legais, mais o quê? O que mais chamou nossa atenção era o fato de ser um texto que tratava de questões dos jovens. Por quê? Eu tenho 21 anos, Carol tem 23...
CAROL (surpresa): – “Vinte e cinco!?!hanhanhan, Caramba!â€
FABRÃCIO: – “Ah! 23... O João (Fonseca, diretor) também é um cara novo. O Pablo também é super jovem, tem 23 anos. Então naquele momento, nós querÃamos falar sobre os jovens e o espetáculo caÃa como uma luvaâ€.
Em maio de 2006, parece que é redundante dizer que, para um ator, ser ator não basta. Lugar comum, quadro constante, figurinha repetida.“É necessário fazer várias coisas, senão nada acontece. Tem que levantar o projeto, escrever, correr atrás do patrocÃnio, atuar. Temos que ser empreendedores. Eu acho que, quando se acumula muitas funções, você não consegue aproveitar ao máximo o que cada uma delas têm a oferecer de legal. Você acaba estando no palco, fazendo uma cena e pensando que o prego do não-sei-o-quê tá solto, e os trabalhos ficam dispersos...â€, discorre Pablo, com a ansiedade de quem vive tempos velozes. FabrÃcio, mais pausadamente, completa: “Acho que é uma tendência contemporânea entre os atores que estão se inserindo no mercado. Ser autônomo, dono do seu trabalho, produzir suas coisas, é algo super normal. A gente vê muitas pessoas trilhando um caminho parecido com o nosso. Não nos interessa mais separar o produtor do ator. Nesse nosso formato, nós somos donos do que escolhemos, e pensamos muito bem o que vamos e o que não vamos fazer. Como ator, as escolhas que isso envolve, do que fazer, com quem fazer, me parecem muito interessantes. É um privilégio. E eu não abro mão desse privilégioâ€.
A conversa continua e toma o rumo da comparação barata – introduzida por mim – entre a escola oficial, a CAL, e a ‘escola da vida’, com o perdão do clichê. Carol explica que a CAL os ensinou o ofÃcio do ator, mas não o lado da produção. Ora, mas se ‘ser autônomo, dono do seu próprio trabalho, produzir suas coisas’ é ‘uma tendência contemporânea’, o formato desta escola não está ligado na contemporaneidade, mas, sim, afastado do mundo real, certo? “Não, é diferenteâ€, rebate Carol, defendendo a escola. “Eles até dão alguma coisa, mas não tem tempo. Os professores diziam que o curso é curto para se formar um ator, que dirá para se trabalhar o lado produtor. Eles ensinam mais a parte do ser ator..â€, completa a atriz/produtora. Mas isso não faz parte da formação do ator hoje?!? “Totalâ€, é o que ela diz. Xi, esse papo não vai avançar. Tostines vende mais por que é fresquinho ou é fresquinho por que vende mais? Pablo intervém e tenta dar um rumo conclusivo: “Eu acho assim: daqui a pouco vai começar a ser algo fundamental na universidade, na faculdade, o fato de o ofÃcio do ator está junto da coisa da produção. Deixar claro que ‘oh, pra você acontecer, tem que produzir suas coisas também’, porque não vai acontecer sempre de vir alguém e descobrirâ€.
Cena final:
(Debate provocador sobre a relevância ou não do trabalho que o grupo faz. O interlocutor lança a pergunta: E por que vocês acham que o que vocês fazem tem alguma relevância para outra pessoa que não vocês mesmo. Grupo discute.)
CAROL: – “O que a gente faz não é nenhuma novidade. O que há de novidade, eu acho, é o fato de nós sermos tão jovens, com uma carreira tão curta e com tanta coisa feita. É assim que eu sinto e acho que as pessoas também. Quando eu encontro alguém na rua, ‘pô, você tá bombando, hein’, porque rola um boca-a-boca e é bacana. Pra mim, o mais importante é as pessoas saberem que tem um monte de coisas acontecendo e que eu estou aliâ€.
FABRÃCIO: – “O reconhecimento que nós esperamos alcançar é geral sobre todas as nossas funções. O prestÃgio que nós queremos ter como atores é o mesmo que queremos alcançar como produtores, entendeu? Quando a Ordinárias se torna uma referência, eu como ator me sinto com o mesmo reconhecimento porque faço parte deste produto de qualidade. Não acho que o fato de montar um clássico, como A ratoeira, que é parâmetro de romance policial, de literatura clássica, seja um fator conflituoso com o compromisso que nós temos com a nossa geração. Muito pelo contrário. O fato de nós termos vinte e poucos anos, fazendo espetáculos e querendo atingir um público da nossa idade... eu acho que este público vai se interessar por este tipo de peça também. Eu acredito que a qualidade, mais do que o tema, é importante, entende? Shakespeare, por exemplo, vai ser sempre atual e vai ser sempre visto, não importa se você tem 8 ou 65 anos. É o humano que está ali. Eu, com business na cabeça, não tenho esse receio. E como artista, não me sinto ofendendo o meu público.â€.
(O interlocutor encerra e agradece. FabrÃcio o cumprimenta e sai rapidamente. Carol e Pablo permanecem sentados.)
FABRÃCIO: –“Valeu, eu preciso subir, já estou atrasado. Tenho que ver um negócio lá no palcoâ€.
(Som clicado de câmera indicando fim das filmagens. Fecham-se as cortinas.)
Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
Você conhece a Revista Overmundo? Baixe já no seu iPad ou em formato PDF -- é grátis!
+conheça agora
No Overmixter você encontra samples, vocais e remixes em licenças livres. Confira os mais votados, ou envie seu próprio remix!