O CAIS JOSÉ ESTELITA E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Eu me tornei adulto durante a ditadura fardada que golpeou as instituições em 1964. Cresci vendo a falta de liberdade, ouvindo falar da tortura e do desaparecimento de cidadãos opositores ao regime. Por obra e graça das vacas fardadas, somente pude dar meu voto para presidente da República aos 40 anos de idade. Não há dinheiro no mundo que me pague essa proibição da liberdade de escolha entre os candidatos escolhidos pelos partidos.
Mas “liberdade de expressão” eu só vim aprender seu exato significado no fim do século XX, lá por volta de 1997 ou 1998, com um bloco anárquico do carnaval do Recife e Olinda, o “Quanta Ladeira”. Depois explicarei o porquê.
No dia 22 de maio último, um dos professores mais antigos do curso de comunicação social (antigo curso de jornalismo) da Universidade Federal de Pernambuco, Paulo Cunha, postou em sua página no Facebook uma notícia estarrecedora:
“Acho que amanhã vou ao cemitério de Santo Amaro, fazer uma visita ao túmulo do jornalismo pernambucano”.
O que o teria levado a escrever a frase que mais doeu ultimamente na alma do bravo povo do Leão do Norte? Foi o silêncio sepulcral da imprensa de Pernambuco a respeito do início da demolição do Cais José Estelita, área histórica, de preservação ambiental, e um dos principais cartões-postais do Recife. A mesma imprensa escrita e falada também calou sobre a ocupação feita por manifestantes que impediram a demolição completa dos armazéns de açúcar, no fim da noite do dia 21 de maio. Depois disso, também não veiculou nenhuma notícia acerca das atividades que estão sendo realizadas naquele local por inúmeras pessoas e artistas que são contra o projeto.
Uma rápida visita ao Facebook e qualquer um encontrará artistas de renome nacional, nascidos e residentes em outros estados, que se engajaram nessa luta recifense e apoiam o movimento “Ocupe Estelita”. De Ney Matogrosso a Jards Macalé, de Ângela Leal a José Celso Martinez, de Xico Sá a Patrícia Pilar. Só a imprensa local continua com uma rolha no cu. Explicarei depois porque falar em cu faz parte da liberdade de expressão.
Vocês esperariam o quê? O Diário de Pernambuco, da rede “diários associados”, comandando no estado por um puxa-saco famoso, jamais pensou em contrariar poderosos e muito menos as autoridades constituídas. O Jornal do Commercio, de João Carlos Paes Mendonça, é outro de quem não devia se esperar muito, pois seu dono contou com a ajuda de autoridades governamentais para expulsar moradores de um ponto estratégico de Brasília Teimosa para lá erguer a majestosa sede do seu império. Achando pouco, foi contemplado com o terreno onde se situa o Shopping Rio Mar. A Folha de Pernambuco, que no papel é de Eduardo Monteiro, mas tem como sócio oculto o irmão Armando Monteiro, senador e candidato ao governo de Pernambuco, é um jornal de empresário que jamais contraria o alto empresariado local e nacional.
Erguer 12 torres de 40 andares no Cais José Estelita não é um empreendimento para uma empresa qualquer, tanto que se associaram as megas construtoras Moura Dubeux, Queiroz Galvão, G.L. Empreendimentos e Ara Empreendimentos naquilo que se denominou de forma irônica “Consórcio Novo Recife”. Novo em quê?
O Ministério Público Federal questiona a validade do leilão que deu a posse do terreno e dos velhos armazéns ao dito consórcio. O IPHAN, tirando um pouco o seu da reta, alega apenas descumprimento da celebração do Termo de Ajuste de Conduta entre o consórcio e o instituto, contrato que tentou garantir a proteção dos registros referentes à produção de conhecimento (histórico?) sobre a área em questão. Mas a crítica maior ao projeto, é que ele não foi antecedido do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), que, após feito, deveria ser apresentado à população para que possibilitasse o exercício da gestão democrática, tal como determina o Estatuto da Cidade do Recife (Lei 10.257, de 10 de Julho de 2001).
Já a minha despudorada pessoa se preocupa apenas com uma coisa: a quantidade de bosta produzida por 12 torres de 40 andares naquela área. Pra onde vai tanto cocô? Essa é uma questão de alto relevo ambiental e não vejo ninguém se preocupar com esse problema. O Recife corre o risco de se tornar uma cidade merdieval!
O terreno e os armazéns, salvo engano meu, pertenciam à Rede Ferroviária Federal S/A. A prefeitura do Recife, ao que me parece, tinha outro projeto para o local, mas o prefeito João da Costa abriu as pernas, não fez a devida desapropriação e os novos donos do Recife tomaram conta de tudo. Vão erguer ali um enorme muro de concreto armado, as chamadas “Torres do Estelita”, que enfeiarão a cidade em nome do desenvolvimento urbano e do progresso capitalista.
Voltando à liberdade de expressão, João da Costa, do PT, governou a cidade do Recife entre 2009 e 2012. Para que esse projeto das construtoras fosse em frente, ele contou com a preciosa ajuda da sua administração.
No carnaval de fevereiro de 2009, o bloco anárquico “Quanta Ladeira” fez uma saudação especial ao então prefeito João da Costa que havia tomado posse em janeiro daquele ano. A paródia de uma música internacional que foi cantada para aquela autoridade, tanto naquela época quanto agora, me enche de satisfação. Ouço isso como um desabafo precoce e profético contra aquele prefeito omisso e conivente!
Interessante que a mesma imprensa que nega destaque ao Movimento “Ocupe Estelita”, ocupa suas páginas para dizer que o bloco Quanta Ladeira é “O Baile do Baixo Calão” do Recife. Que o seja. Se denuncia as safadezas, que seja sempre bem-vindo!
Que as pessoas que apoiam o “Ocupe Estelita” se lembrem dessa música e a cantem para o ex-prefeito João da Costa, um dos responsáveis por essas torres de merda que teimam em sair do chão, com o apoio dos vereadores, da prefeitura e dos homens de toga do Recife. É uma vergonha esse projeto que no seu desdobramento preocupa aos moradores do Coque que são os vizinhos mais próximos. É que futuramente acharão um jeito de mandá-los pra “baixa da égua”, tudo em nome do desenvolvimento urbano e da valorização imobiliária.
“A gente voltou
Por causa de tu...”
A descaracterização do Cais José Estelita, no Recife, lugar histórico e de preservação ambiental, face ao ímpeto da especulação imobiliária.
A liberdade de expressão do ponto de vista do bloco carnavalesco anárquico "Quanta Ladeira", do Recife.
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