Carta ao futuro
Pedro J. Bondaczuk
A pintura foi o primeiro e magistral alfabeto criado em toda a história.. Rústica, evidentemente – como toda invenção é no seu princÃpio, antes que seja aperfeiçoada – primária, sem técnica (por não se dispor de instrumental adequado para sua execução), se tornou imortal em si, embora não haja imortalizado quem a executou pela primeira vez, já que é impossÃvel de identificar esse artista pioneiro.
Mas a obra em questão identifica a comunidade em que esse criador vivia, o local onde ela habitava e, como uma espécie de “carta ao futuro†desses remotos (e geniais) ancestrais, revela, aos seus descendentes do século XXI, quais eram seus anseios básicos: alimentos, proteção e, sobretudo, comunicação.
Essa arte original, primitiva, mas que sobreviveu a milênios, chegando até nós, tinha, sim, a função primordial de comunicar. Destinava-se, basicamente, a dar ciência – à famÃlia que recém se estruturava por instinto, ao clã e à tribo – das descobertas do artista: das suas crenças, terrores, alegrias e outras tantas emoções, que se revelavam comuns a todos os membros do grupo.
Pode-se dizer, pois, que essa foi a primeira linguagem criada pelo Homo Sapiens, tão logo se deu conta de que pensava, assim que descobriu que seus semelhantes faziam o mesmo e que percebeu (ou que intuiu) que era possÃvel estabelecer intercâmbio de conhecimentos, de experiências e de sensações com os demais.
MagnÃfica e fundamental percepção foi essa, que firmou, naqueles remotÃssimos tempos, um marco da evolução da espécie e lançou as bases da civilização futura! Convém assinalar que, todos os alfabetos do mundo – não importa onde e nem por quem tenham sido criados – tiveram como ponto de partida a corruptela de desenhos de objetos, de animais, de acidentes geográficos etc.
Não é exagero, portanto, afirmar que a pintura foi a primeira lÃngua humana. Nem todos, evidentemente, tinham, naquele tempo (ou têm hoje), esse talento. Não é por acaso que o pensador francês, Edgar Morin, caracteriza a cultura, em seu sentido mais amplo, como "um corpo complexo de normas, sÃmbolos, mitos e imagens que penetram o indivÃduo em sua intimidade, estruturam os instintos, orientam as emoções". E a maioria, convenhamos, não é culta.
Esta longa introdução vem a propósito da obra do artista plástico José LuÃs Piassa, (notadamente dos seus “Pergaminhos Filosófico-Culturaisâ€), que, em sua concepção, guarda certa semelhança com a pintura rupestre primitiva a que me referi. Esse trabalho artÃstico coletivo se propõe, antes de tudo, a ser, também, uma “carta para o futuro†das comunidades envolvidas, embora não para um tempo tão longo (medido em milênios) quanto o dos rústicos desenhos do Homem Sapiens da era da Pedra Lascada.
Os participantes são instados, pelo idealizador e coordenador do projeto, a expor, à sua maneira (mediante desenhos coloridos e bem-elaborados ou simples garatujas – não importa – ou, então por colagens, grafismos e outras eventuais formas) sua condição sócio-cultural atual e o que almejam para o futuro. Todos os membros de determinada comunidade têm livre acesso à participação nessa obra interativa: crianças, jovens, adultos e idosos de ambos os sexos.
Cabe, a Piassa, fazer o arremate do pergaminho, de formas a lhe dar a conotação de um objeto de arte. Feito isso, o enorme painel é enrolado. É elaborada, a seguir, uma base (igualmente com manifestações dos participantes). E, finalmente, o rolo de lona é transformado numa espécie de gigantesco monumento, em forma de totem.
A proposta é, depois de certo tempo, (que o artista determinou, aleatoriamente, que seja de 30 anos), desenrolar esse pergaminho para saber, através do que ali os participantes deixaram registrado, se eles evoluÃram, ou não, econômica, social e culturalmente. Quantos dos seus objetivos foram alcançados? Qual o grau individual e/ou coletivo de progresso (ou de retrocesso) que se atingiu? Quem, e por que, não saiu do lugar em termos de evolução material e/ou cultural?
Quanto à concepção artÃstica dos Pergaminhos Filosófico-Culturais, Piassa observa: “O que se apresenta é uma sabedoria quase fÃsica dos materiais, principalmente das cores, que funcionam por contrastes e movimentos. É uma obra executada com materiais comuns e pintada com intenção de obter relevos, e que apela ao sentido táctil. Cores exaltadas e cores tÃmidas convivem, sem se acomodarem. Quando se entrelaçam, compõem uma seqüência harmônicaâ€.
Quanto à concepção filosófica, os pergaminhos são, reitero, genuÃnas “cartas para o futuroâ€. E os totens que os encerram são monumentos vivos dos anseios, dos terrores, dos sonhos e da criatividade e ânsia de comunicar pensamentos e emoções das comunidades que participam da sua elaboração. São, portanto, na minha modesta concepção, a forma mais refinada de arte, por envolver não somente um indivÃduo, mas toda uma coletividade atuando de forma ordenada, interativa e, sobretudo, de intensa criatividade na elaboração de uma obra.
Pedro J. Bondaczuk
Campinas, São Paulo, Brazil
Sou jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tenho 44 anos de carreira, iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Sou escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Fui agraciado, pela minha obra jornalÃstica, com o tÃtulo de Cidadão Campineiro, em 1993. Sou um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faço trabalhos como freelancer, sou cronista do Planeta News e editor do espaço "Literário" do site Comunique-se.Sou pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebi, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por minha contribuição à s artes e à cultura da cidade.
Pedro, legal, oportuno acho. Já que aqui deve haver os que se interesam por pintura, este resumo foi de todo interessante, andre
Andre Pessego · São Paulo, SP 12/6/2007 19:18Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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