A Bizarra Regurgitação da Sardinha Neosurrealista
Manifesto Neosurrealista Brasileiro
Ainda que a Arte – nestas longas décadas de soberania pós-moderna e contemporânea – já não mais sustente a inexorável e eterna luta do Homem por superar a si mesmo da mesma forma que antes, e esteja dilacerando a alma mÃstica da humanidade em favor de uma espécie de Ser Descrente – forjado na presunção de que nada mais há para ser desejado, acreditado ou imaginado além da realidade direta e anoréxica deste mundo banal –, recrudescendo cada vez mais em seu âmago uma feroz idolatria à condição limÃtrofe de viver e louvar nada além de uma idéia abstracionista de Homem através de suas apropriações e movimentos performáticos, afirmo que existe apesar de tudo uma outra transcendência dormitando na periferia do mundo artÃstico deste novo século. Uma transcendência travestida de antiga, uma reformulação de algo já visto. Um fulcro de criação, pleno em possibilidades mas estéril de perspectivas – pois de sua condição marginal somente resultam as obras em si, derivadas dos indivÃduos que as ousam criar, e nada mais. Não há apenas uma narrativa de estilo, mas igualmente uma outra narrativa histórica (sim, não renego o tempo aliado à criação) do sujeito-que-faz-arte - o artista e ninguém mais.
Faço aqui o manifesto, a anunciação, de uma linguagem metaperceptiva, uma proposta de sonhos concretizada em meios múltiplos. O Neosurrealismo está vivo.
Este fulcro, esta suposta novidade não o sendo, não está fundamentado em conceitos ou maneiras outros além daqueles preocupados em sustentar o exercÃcio de criação visceral dos sonhos humanos, sob uma proposta transliterada de arte simbólica, sutil e etérea – o neosurrealismo se presta a interpretar e revelar aquilo que o surrealismo apenas manifestava em sua gestáltica automação; o exercÃcio neosurreal é necessariamente interpessoal, e promove finalmente a refusão da reflexão e dos sonhos humanos. Mas estes sonhos não mais se forjam em delÃrios vagos, em uma mecânica vomição surreal de fantasias insanas, ou em experimentações deletérias de contemporaneidade duvidosa.
Este movimento não se pretende contemporâneo – não o seria nem mesmo se desejasse, pois sua própria e chocante natureza figurativa e perceptual o faz naturalmente repulsivo aos meios pós-modernos, expulso e execrado pelas experimentações atuais, seja o movimento pertinente ou não no contexto da contemporaneidade artÃstica.
Este movimento não pode mais se pretender moderno, pois a modernidade perdeu-se em meio a um vago sentimento de inadequação, execrada e diminuÃda pelos arautos da Morte da Arte.
A quê se prende esta realidade artÃstica, em qual momento ela poderá ser reconhecida, respeitada e enfim exposta em sua pertinência? O Neosurreal se prende unicamente ao indivÃduo, ao artÃfice desta arte, o qual pretende superar (novamente) o meramente real.
Nenhum artista do neosurreal será reconhecido como tal se vier a recusar promover em sua obra uma transcendência perceptiva pertinente e relevante, aliada ao conteúdo visual provocador, inovador e incoerente das não-formas – aquelas formas que, de tão caóticas, esteticamente vivas e abstrusas, tornam-se sua própria antÃtese.
O Neossurealismo é seguramente pluralista e transdimensional, aceita e usa o virtual assim como o concreto, e essencialmente busca vivenciar o perceptivo superando as formas literais. Faz do fantástico e do imaginário um meio de linguagem através do qual as reflexões do indivÃduo se sobrepõem à arte manifestada. Os universos neosurrealistas retratam outros modos de realização, e somente podem ser definidos a partir de sua profundidade intencional.
Os Três Pilares do Neosurrealismo
1. Não se fala em mistificações quando o neosurrealismo se manifesta; em sua natureza, o neosurrealismo não promove a representação de imagens ingenuamente mÃsticas. Sua proposta é justamente diversa à gratuidade técnica e interpretativa das artes fantasistas, esotéricas; sua mÃstica é outra qualquer que provoque a reflexão sobre o Ser além de si mesmo, e sobre as formas, regurgitadas em um novo jorro de arte criativo e intencionalmente alucinógeno.
2. O Neosurrealismo jamais representará um reles surrealismo repetido; não será uma imitação surreal. Toda a intenção do Neossurealismo direciona-se para uma psico-simbologia dinâmica e completamente atual, uma representação sólida de propostas humanistas, exclusivamente voltada a uma reinterpretação semiológica derivada de signos transpostos, amadurecido no exercÃcio da contemplação perceptiva e do onirismo conceitual: o Neosurrealismo depende visceralmente do insight, da descoberta e do amadurecimento interno de seu realizador.
3. O neosurrealismo reafirma-se uma linguagem passÃvel de exploração filosófica e psicológica variada. Não será uma manifestação xenofóbica, tolamente crÃtica a outras formas de representação artÃstica, mas ainda assim guardará em si o Ãmpeto de sustentar a exploração da percepção sutil aliada ao pleno exercÃcio da imaginação, do sonho, das visões supra-reais, livres de proposições que diminuam a sua força como movimento relevante ao cenário de arte da humanidade.
As Três Linguagens do Neosurrealismo
1. O Neosurrealismo fala através de um onirismo visceral e inconstante, eternamente mutável, contudo imanente ao artista que realiza a neosurrealidade em sua obra. A primeira linguagem neosurreal representa corajosamente o espÃrito do Homem, não o nega, ao contrário o amplifica e dignifica, sem receio de fazê-lo em uma época dessacralizada e resistente ao que é belo e figurativo. Faz-se no ato neosurrealista também o suave e o sutil, embora não se restrinja a isso.
2. A segunda linguagem neosurreal é aquela da mistura, do sÃmbolo exposto por vários modos e sem restrições à moldagem e reinterpretação dos seus significados – na verdade, um verdadeiro metasÃmbolo, transcendente aos seus significados usuais. É a linguagem do incômodo, da experimentação visual, dos paradoxos e signos justapostos. Uma argumentação voltada para levar a percepção humana aos seus mais profundos universos. A Figura, a Forma, o Corpo – junto aos seus vários simbolismos, suas bizarras interpretações – não são negados, mas ao contrário utilizados em seus mais plenos aspectos.
3. Toda ação que explore o sensório, a organicidade da matéria e dos conceitos, faz parte da terceira linguagem neosurreal. É a linguagem da integratividade, da exploração psicológica das filosofias, das religiões, dos signos e das imagens. A terceira linguagem neosurreal extrapola o tempo, espaço e a concretude. Não se apropria dos objetos cotidianos, não realiza manifestações herméticas e coloquiais; o neosurreal, através de sua terceira linguagem, objetiva justamente refazer o mundo. É ficcional, alheia à mundanidade comum; é alienÃgena, estranha à realidade imediata.
Aquilo que sustenta a manifestação neosurrealista vem a ser o Ãmpeto de criação puro e simples, sem mais formalismos além de sua própria pretensão em realizar a arte do fantástico, da metasimbologia além do real. Mas quais são os signos neosurreais? Pois tais elementos fundamentais, estas células formadoras da própria expressão da verdadeira arte neosurreal, existem e neste manifesto devem ser apresentados. São sete os signos fundamentais do neosurreal:
1. O Ser – Cabe ao neosurreal apresentar em toda sua plenitude supra-real o Ser – seu corpo ou não-corpo, seu sexo ou não-sexo, sua forma ou não-forma, sob as regras da transcendência. Uma obra neosurreal preocupa-se em representar o homem, a mulher, e os seres e idéias a partir de seus gestos absurdos, seus ódios e paixões, sua insaciável ânsia pelo inefável. A superação dos limites humanos também é a meta neosurreal. A exposição do Ser em todas as suas variações possÃveis e impossÃveis, seja definido pelas coisas, seja pelos seres reconhecÃveis em sua concretude, sua inefabilidade ou em sua bizarra supra-humanidade;
2. O Tempo – O tecido do tempo deve ser exposto na obra neosurreal, seja sob o prisma dos tempos finitos e concretos ou através de espaços de tempos outros – estranhos e intercambiáveis –, ou então através da demonstração visual do caráter persistente da memória passada, presente ou futura. O Tempo rege a narrativa neosurreal, e não será negado; o neosurrealismo recusa-se a ver a Arte como um cadáver perdido no tempo, e através de suas obras, exclama: A Arte está viva, e o seu tempo é eterno!
3. O Sonho – A fantasia, o mito, a farsa exótica das aparências e narrativas. Eis os focos neosurreais no que tange ao aspecto onÃrico da existência. A arte torna-se expressão intensa, forte, inexorável, dos mundos e meta-mundos. Não há timidez no neosurrealista ao revelar as cenas incoerentes da psique humana; não há limites, exceto aqueles ditados pela mÃstica neosurreal, para a criação de narrativas fantásticas, sejam fundamentadas em conceitos polÃticos, históricos, perceptivos, religiosos, sociais, psicológicos;
4. O Caos-paradoxo – Não existe neosurrealismo sem o paradoxo, o caos - aparente ou efetivo - , as transgressões da imagem, o absurdo das narrativas impossÃveis. O processo narrativo da arte no novo século (apesar da grita sobre sua aparente extinção) segue inexoravelmente, e exige que cada manifestação exerça ao máximo as suas potencialidades no contexto Ãntimo do artista, de modo a permitir ao Homem manter-se renovado em seu exercÃcio de criar-se constantemente através da arte. Portanto, o neosurrealismo assume sua narrativa sobre o absurdo, sua denúncia à futilidade, seu elogio ao paradoxo, sua submissão à relatividade das coisas – e à sua intercambialidade;
5. O Vazio – Há um tremendo distanciamento – um vazio de espaço e tempo – na obra neosurreal; ele não se dá pela ausência de imagens, mas pelo uso de espaços e tempos amplos e impossÃveis – universais, dicotômicos ou transmutados pela cor, tom, movimento, meios e medidas de construção artÃstica. O não-ser faz parte da vivência neosurreal, aquele momento em que os objetos transformam-se em suas próprias mutações, deixando se ser aquilo que eram mas ao mesmo tempo reafirmando-se como outro ser, outro algo. Através do Vazio, a arte neosurreal mostra-se preenchida de significados ocultos, codificados nas formas distorcidas pelo Tempo, pelo Sonho, pelo Caos;
6. A Angústia – Em meio aos mundos fantásticos e aos temas orgânicos, fluidos, do universo neosurreal, existe um anseio pelo resgate daquilo que nos falta, a liberação de uma humanidade presa na mediocridade e na concretude cartesiana e pedante. Há uma angústia no processo neosurreal, um anseio pela leveza, um trabalho direcionado a resgatar uma parte importante do Ser. Esta angústia não restringe a criação neosurreal, não a faz mórbida ou derrotada; ao contrário, é justamente através deste enlevo, deste melancólico anseio por algo indefinÃvel, que a obra neosurreal regata o mais maravilhoso universo humano, sua capacidade de sonhar, sua admiração ao que é transcendente, irreal, incomum;
7. O Despertar – A meta última do movimento neosurreal é o despertar das ilusões. Não há margem para que o artista neosurreal se perca em suas próprias fantasias; a criação neosurreal pretende recriar mundos fantásticos, distorcer a realidade e anunciar aos homens e mulheres que a realidade é apenas uma descrição; mas além disso, a obra neosurreal precisa possuir em si a força do esclarecimento, o intuito de ensinar uma saÃda da ignorância, da superficialidade, do discurso fácil de uma arte sem consciência. Quase ingenuamente, o neosurrealismo se envolve de mitos e alimenta-se de sÃmbolos. Resgata do inconsciente da humanidade os seus objetos irreais, seus pensamentos insanos, seus desejos ocultos – mas não o faz automaticamente, em um jorro ignorante de imagens e ações; antes disso, o neosurreal superou a pretensão surrealista de automação e propõe uma nova atitude de redescoberta dos significados, de reflexão sobre as sabedorias esquecidas e perdidas nos caminhos da mente.
Eis aqui, anunciados para todos os que são capazes de compreender, os conceitos do neosurreal. Neste Manifesto estão revelados os ossos, a carne e a mente da criação fantástica do neosurrealismo, manifestada nas artes dos seus seguidores. Eu conclamo o ajuntamento de todos os artistas, designers e criadores que nela se identificam, para que este manifesto seja divulgado e transmitido ao máximo de sua possibilidade, de forma a permitir que este fulcro criativo seja sustentado e valorizado neste novo século.
Os neosurrealistas sobrevivem às margens do fluxo contemporâneo, marginais mas não impotentes. Eles sustentam uma nova interpretação surreal, metamorfoseada em um fulcro criativo renovado, pleno de superações, livre das simples imitações de um surrealismo antigo, incapaz de acompanhar a Revolução Noética que se apresenta na contemporaneidade.
As ferramentas neosurreais são as imagens emplastadas em telas, as formas reinventadas em computador, as cores, tons e movimentos manipulados em pincéis ou palcos, e em todos os meios possÃveis – tudo isso realizado sem resistência à representação pictórica. O Neosurrealismo não rejeita o Belo ou o Monstruoso no que diz respeito à realização do artista, não abandona o uso do pincel e da tinta, a manipulação digital e a constante valorização das formas.
A grande alma do Neosurrealismo é a Mente Imaginativa. E a Mente Neosurreal é a mente fluida, sutil, ilimitada, que se manifesta através do fenômeno da criação de arte. Será por essa mente que o neosurrealismo irá despertar no Homem uma nova forma de perceber a si mesmo. Pois este é o objetivo do movimento neosurreal: tornar-se um dos fundamentos do processo de consciência nos caminhos artÃsticos do século XXI, e o meio pelo qual o espectro da percepção humana poderá ser representado.
A sardinha neosurrealista nada profundamente no oceano da mente, naquele lugar além do comum, onde as idéias e os sonhos inconstantes se tornam os meios pelos quais a força da arte fantástica se manifesta plenamente.
A Arte não está morta; a Arte vive, e renova-se apesar de tudo.
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