Pai do pancadão" e "padrinho do hip hop" são apenas alguns dos apelidos que os amantes do gênero usam para expressar o trabalho desse artista que modificou a cultura de rua em escala global. Seu nome é Kevin Donovan, mais conhecido como Afrika Bambaataa, dj, produtor e um dos fundadores do Hip Hop, movimento que influenciaria gerações de artistas e militantes dos movimentos sociais, e, até mesmo na criação, do que hoje chamamos de funk carioca.
Nem sempre esse respeito e admiração foram conquistados através da música. Na década de 60, o então jovem Kevin Donovan era lÃder dos “Espadas Negrasâ€, uma das mais perigosas gangues do Bronx, bairro pobre do estado de Nova Iorque e de maioria negra. A sua trajetória parecia destinada a repetir as histórias de diversos outros jovens que morriam por disputas de gangues por pontos de drogas na comunidade.
A grande mudança na sua vida veio a partir do momento em que ele e os demais integrantes dos Espadas Negras perceberam que as brigas não iriam transformar a sua realidade e muito menos da comunidade. A partir dessa mudança de olhar, eles se entregaram a uma cultura de rua que surgia em Nova Iorque e integrava as pessoas promovendo festas com rap, break e grafite, elementos que viriam a formar o conceito de Hip Hop. Bambaataa e os demais membros de sua antiga gangue formaram um grupo que pretendia reunir todos os rivais, através de alguns preceitos. Assim surgia a Universal Zulu Nation, que tinha como lema: “Paz, Unidade, Amor e Diversãoâ€.
Hoje, com quarenta e oito anos, ainda continua um ativista das causas sociais através da música espalhando as sementes de que música e comprometimento social andam juntos.
“Eu já viajei para várias partes do mundo e estive em diferentes favelas e sempre digo aos jovens que encontro para se organizarem e protegerem sua comunidade. Não esperem que o governo faça algo. Corram atrás dos seus direitosâ€, disse Bambaataa durante a entrevista que promovia a sua turnê no Brasil.
A origem do nome Zulu Nation, foi inspirado no filme “Zulusâ€, do diretor americano Cy Endfield, no qual essa tribo de guerreiros que viviam na Ãfrica do Sul lutavam contra a dominação britânica no final do século 19.
O grupo que surgiu há trinta e quatro anos virou uma organização mundial contando com milhares de adeptos em vários paÃses, inclusive no Brasil, que ajudam a difundir princÃpios como respeito, liberdade, justiça, trabalho e auto-conhecimento para jovens de periferia, em especial a mais carente de serviços básicos.
“Muitos afro-brasileiros não conhecem seu passado. Muitos pensam que a história começa apenas quando foram trazidos pelos europeus como escravos ao Brasil. Se você acreditar que sua história se resume a apenas isso, você será somente isto. Mas quando se começa a procurar suas raÃzes descobre-se coisas que muitos não querem te ensinarâ€.
Bambaataa e a Rocinha
Os B.boys, como são chamados os dançarinos de break, do Grupo de Break Consciente da Rocinha (GBCR) entraram para a Zulu Nation através de um convite do próprio mentor. Há 14 anos desenvolvendo trabalhos sociais usando a filosofia do Hip Hop em algumas comunidades do Rio, como no Complexo da Maré e Rocinha, eles conheceram Bambaataa durante uma apresentação do próprio em 2003, no Rio de Janeiro.
Para o dançarino Willamy Sequeira (Zulu Will), o trabalho rompe barreiras através de oficinas de dança e grafite.“Há cinco anos o grupo desenvolve esse trabalho na Maré e os resultados começam a surgir com uma nova geração de dançarinos que estão surgindo na comunidadeâ€, afirma.
“Conhecer o Bambaataa foi um dos grandes momentos da minha carreira como dançarino. Após o show ele me chamou no camarim e fez várias perguntas sobre o nosso grupo. No fim daquela conversa, ele disse que gostaria de visitar o trabalho na Rocinha e nos convidou para fazer parte da Zulu Nation. Para oficializar o convite ele me condecorou com um dos cordões que carrega no pescoço. Quase morri de tanta emoção. Eu que era fã dele agora ia fazer parte do seu grupoâ€, afirma Willamy, que excursionou por dois meses pela Europa com o Bambaataa.
O disco que mudaria o Hip-hop
A entrevista com Bambaataa não enfocou apenas os trabalhos sociais realizado pela Zulu Nation, mas também suas influências musicais. Quando criou o grupo “The Soul Sonic Force†e lançou o disco Planet Rock, que seria um o marco do gênero, Bambaataa ajudou a expandir a cultura, que antes se restringia apenas aos guetos, para mais pessoas que ficaram curiosas com o batidão, que misturava musica eletrônica e letras politizadas. O disco viria a influenciar milhares de artistas e também na criação de sub-gêneros como Miami Bass e o próprio funk carioca.
“Essa é a quarta vez que eu venho para o Brasil e gosto da mistura de música que existe por aqui. Eu curto o funk carioca, inclusive já gravei algumas músicas com o DJ Malboro e com o MC Catra. Também gosto muito da MC Tati Quebra-Barraco e gostaria de gravar um rap com ela," diz Bambaataa.
Para Sergio José Machado Leal, o DJ TR, autor do livro “Acorda Hip Hop!â€, que narra a história do movimento no Brasil, a música Planet Rock mudaria para sempre a cultura de rua no mundo e no Rio de Janeiro.
“Essa música ajudou a divulgar para a geração dos anos 80 o que era o Hip Hop e sua cultura, além de abrir as portas para o surgimento de outros gêneros. A leitura eletrônica do rap criado por Afrika Bambaataa transformaria os bailes blacks, que antes eram influenciados pela geração Black Rio, que tocava a funk music e o soul americano. Aos poucos as equipes de som como Cash Box e Furacão 2000 foram introduzindo aquele estilo que no futuro iria dar no funk cariocaâ€.
Imagem deturpada
Na entrevista, Bambaataa também criticou a imagem estereotipada do gênero Gangster Rap, que exalta a violência e o consumismo, que as gravadoras e rádios querem associar ao movimento. “Nós temos que continuar trabalhando para mostrar todas as vertentes do Rap e não apenas um estilo que as rádios querem te obrigar a escutar. Existe um mal dentro do Hip Hop, que quer programar o seu ouvidoâ€, afirma Afrika.
O DJ TR também concorda que a imagem que chega do Hip Hop no Brasil é muito atrelada a interesses econômicos que deturpam os verdadeiros valores da reflexão original.“O que o grande público vê e ouve através das rádios e tevês são produtos enlatados feitos para consumo imediato e sem maiores reflexões. Quem ouve e se identifica acaba retransmitindo algo que nada tem a ver com a filosofia original e aquele que não gosta não tem o interesse de ouvir outras coisas relacionadas a cultura Hip Hopâ€, lamenta.
O tempo da entrevista estava terminando e Bambaataa continuava sereno olhando a movimentação dos repórteres ao redor. Depois de tantos anos espalhando a cultura do Hip Hop por diversos paÃses ele não pensa em parar.
“Por mais que o gênero esteja conhecido, ainda existem muitas pessoas que desconhecem a verdadeira filosofia do movimento, seja na Ãfrica ou nos PaÃses Nórdicos. Não podemos aceitar com tanta facilidade aquilo que mostram como verdade. Precisamos analisar o mundo através de várias perspectivas e a partir daà formar a nossa opiniãoâ€.
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Renata Rimet /Salvador,Ba
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