Planetas Virtuais em Cuiabá

Foto: Cláudio Oliveira
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eduardo ferreira · Cuiabá, MT
6/3/2006 · 110 · 1
 

Cuiabá já tem um incrível número destas casas. Lan-house, templo para a celebração dos amantes da internet, verdadeiros points de encontros para os mais diversos eventos.

"O futuro é pura tecnologia", afirma com a convicção de seus 13 anos Guilherme Pacheco, estudante, usuário de uma lan-house que fica muito próxima de sua casa na região central da cidade. O garoto faz parte da equipe que os proprietários da Lan estão patrocinando para um campeonato e é apontado como fera, um proto-campeão. Olhos perspicazes, jeitão meio rockenroll, ele faz parte de uma legião de garotos que fazem desses lugares um meio de diversão, conhecimento, socialização, conectados na mesma expectativa de interagir com os outros. "Jogo por diversão, só pra zoar dos caras."

É um engano pensar que os habitantes desses "planetas tecnológicos" são tão despossuídos, muitos têm computadores em casa. A atração que esses lugares exercem tem muito a ver com a necessidade de encontrar seus semelhantes, comparsas, parceiros de jogos e vivências. Nos bairros mais periféricos, que têm preços bem mais baixos para o acesso, o perfil do usuário é relativo à sua condição social, a maioria desses é vítima da falta de alternativas tecnológicas em suas próprias casas. E o fenômeno se alastra por todos os bairros.

A equipe parou o treino e formou uma roda em torno de mim, todos se apresentaram, todos muito interessados em nossa conversa, Imad Mohamad, 15 anos; Thiago da Silva, 14 anos; Dennison Vieira, 16 anos; Guilherme e o outro Mohamad, de 14 anos, todos são estudantes. Continuo nosso papo dizendo que o futuro será ainda mais tecnológico, mas que o presente já contabiliza uma grande dependência das ferramentas digitais, o mundo já está estruturado com base na informática. Já se conectou em rede e não dá mais para retroagir. Provoco eles dizendo que logo aí atrás em nossa história, no século XVIII, há pouco mais de 100 anos, o mundo engatinhava uma revolução industrial e que, com apenas 10 anos de internet, já evoluiu numa escala impressionante, oferecendo meios de transmissão e recepção impensáveis até mesmo nas ficções científicas que sempre profetizaram revoluções no comportamento humano. O mundo caminhou mais rápido que a ficção. Está aceleradíssimo.

Eles são filhos dessa revolução, íntimos dessas ferramentas com uma naturalidade impressionante. Rápidos e ágeis, répteis da nova era, cobras que voam nas novas modalidades dos espaços virtuais, ou cyber espaços.

Continuo a provocação e digo que na mesma velocidade o meio ambiente planetário (real), por exemplo, está em xeque e que é preciso fazer alguma coisa. Reagem de prontidão: "Tem que desenvolver sem destruir, é possível um mundo com alta tecnologia e meio ambiente conservado!". Ponto para a equipe, que treina durante duas horas por dia. Treinam com muita seriedade para expandir seus domínios do game Counter strike, CS, para a intimidade que sua cumplicidade estabelece. Sob o comando OVER! querem dizer, "me dê cobertura!". A um outro comando - INVADIR! ATACAR! - buscam avançar sobre os inimigos e conquistar vitórias retumbantes. Dizem que entraram no jogo pra se divertir mas que têm chances de chegar no topo, claro, querem ganhar.

Num papo com Fabiano, 30 anos, sócio de uma lan, formado e pós-graduado em Informática e Gestão Pública, ele diz que é preciso organizar a categoria empresarial (proprietários de lans) e para isso estão criando uma associação estadual para atuar diante de um quadro em que se deparam com um grande preconceito dos poderes públicos e da sociedade. Fabiano avalia que marginalizam esse tipo de serviço com uma ótica preconceituosa enxergando uma lan apenas como pontos de drogas e de desocupados, viciados em jogos que consideram nocivos e não levam a nada.

Os organizadores da associação estão de olho numa lei que tramita no Congresso Nacional que propõe restringir a freqüência nesses ambientes para maiores de 16 anos. Consideram isso um golpe no negócio e combatem esse ponto de vista com o argumento de que existem outras modalidades dentro do ramo de negócio, como o cyber-officer que oferece vários tipos de serviços. Para quem precisa enviar um e-mail, copiar um arquivo, tanto para office-boys, quanto para outras pessoas em trânsito. Isso facilita a vida de muita gente no corre-corre cotidiano. Os proprietários de lans afirmam ainda que têm plena consciência de que lidam com informação, entretenimento mas sabem que também são responsáveis pelo que acontece ali dentro, não permitem bebidas alcoólicas e investem em segurança e qualidade no atendimento. Defendem um ambiente saudável e apropriado para incluir mais pessoas no mundo digital.

O código de postura do município também regula a questão da distância dessas lans em relação às escolas. Atualmente em Cuiabá a distância máxima permitida é de 400m e querem ampliar para 500m. Aí levantei uma questão: por que não fazer parcerias com as escolas e propiciar acessos para pesquisas, para incluir mais pessoas no uso dessas ferramentas disponibilizando equipamentos em determinados horários para aprenderem a usar computadores? Seria uma contrapartida social interessante. Ao invés de proibir, ensinar, propiciar o acesso, educar. Concordaram e adiantaram que já existe essa idéia, que estudam sua aplicabilidade nas diversas reuniões que estão realizando.

Duas universitárias navegavam naquele instante, Rosemary, de 19 anos, estudante de direito, e Isabelli, 21 anos, que faz turismo. Estavam ali porque gostam do lugar, até têm computadores em casa, mas estão com os telefones cortados por falta de pagamento. Enfatizam que mesmo quando seus PCs estão conectados preferem ir na lan, que acham ali um lugar mais interessante. De repente sou interrompido pela presença súbita de dois rapazes que chegam em meio ao nosso papo. Entabulam uma conversa, são íntimos, as meninas se abrem em sorrisos. Percebo que estou sobrando... Saio de fininho, deixo claro que meu interesse ali é outro: "Fiquem à vontade, até mais, valeu!". Numa lan tem dessas coisas...

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Hermano Vianna
 

acharia ótimo se houvesse mais textos sobre as culturas das lan-houses em todo o Brasil - há cada vez mais lan-houses em todos os lugares, sobretudo em periferias, favelas...

Hermano Vianna · Rio de Janeiro, RJ 30/3/2006 02:45
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