Publicado no blogue Antitextos:
Por fabricio kc
O Passa Palavra publicou um texto, intitulado “Curtir or not curtir”, que comenta a mobilização de ocupação da praça municipal em Salvador, ocorrida no último dia 30, sexta-feira. O texto, basicamente, questiona, “sem desconsiderar as potencialidades concretas de comunicação em rede”, a confusão entre a militância real (sic) e o que o autor chama de “militância virtual”, e também critica aspectos como as pautas abordadas e a quantidade de manifestantes no local.
O autor deixa claro que opinou a partir da perspectiva de um observador passivo. – Aqui segue uma opinião a partir da posição de participante.
A QUESTÃO QUE MAIS IMPORTA
O Passa Palavra tem lançado importantes questões sobre o ativismo e militância nas redes, sobretudo quando comentou as marchas simbolicamente capitalizadas pelo Coletivo Fora do Eixo, em verdade um grupo de empresas meramente comercial que atua no mercado de cultura (e opera através de modelos de negócios alternativos), e que – segundo a propaganda de alguns duvidosos auto-denominados intelectuais do mundo pós-cognitivo – representaria o novo comunismo, o hackeamento do capitalismo, repetindo jargões sem importância para qualquer reflexão autêntica, ao mesmo tempo em que criam carreiras, esses intelectuais das redes, e conseguem poder em certas esferas, sobretudo aquelas patrocinadas pela Petrobras, via leis de incentivo, claro.
Ora, é óbvio que o ativismo, quando restrito às redes, não faz sentido. A internet deve ser instrumentalizada como catalisadora de ações coletivas livres e integradas, organizadas espontânea horizontalmente.
Não há em nosso atual contexto militância mais virtual do que o discurso dos partidos, rico em saudáveis contradições mas anulados na capacidade de transformação real das estruturas contra as quais eles lutam. Os partidos que importam quase sempre começam como grandes e eficazes movimentos populares, depois se tornam burocracias verticais até alcançarem, como no caso do PT*, tal patamar (e exercício) de poder que nada têm a invejar das práticas dos tradicionais agentes da dominação no campo da corrupção, do autoritarismo, dos jogos de interesses e do clientelismo.
Os movimentos iniciados através das redes sociais são, obviamente, embrionários. Aqueles que deles participam nem sempre têm um discurso político articulado, uma mensagem e um método claros – aliás o controle da mensagem é a ferramenta básica de políticos profissionais, seja dos que exercem o poder seja dos que lutam para tomá-lo.
Para que impor métodos e dinâmicas de funcionamento aos movimentos que apenas se iniciam abordando, mesmo que de forma desarticulada, os temas e questões que, inclusive, são os mesmos que interessam aos seus críticos? Por isso, para aqueles que são militantes políticos mas se posicionam como meros observadores de tais movimentos, a ação mais pertinente não seria apenas apontar as falhas e limitações dos movimentos (embora isso seja fundamental), mas sim propor alternativas para enfrentá-las. Creio mesmo que a questão principal – que é ao mesmo tempo o motivo das críticas e dos anseios comuns a todos – é a seguinte:
Como conseguir com que tais movimentos iniciados em redes sociais – esses momentos de ação política – se tornem permanentes, continuados, crescentes, articulados e, sobretudo, alcancem algum grau real de efetividade política?
Observar e criticar é só uma parte do trabalho. Vamos à outra parte Passa Palavra?
O PODER DO TWITTER
Se há algo que hoje não se pode pôr em dúvida, é a capacidade política das redes sociais. E não estou a falar das revoluções árabes ou das ocupações espanholas, nem dos protestos em Wall Street, todos movimentos que não seriam possíveis sem as redes. Vamos a um exemplo recente, simples e muito direto e esclarecedor.
Há alguns dias, os membros do Conselho Administrativo da RTVE, emissora de TV pública espanhola, aproveitaram certa situação da política no país (em dois meses haverá eleições que prometem mudar o governo) e estabeleceram para si mesmos, através de uma votação legal mas socialmente questionável, a inédita função de controle prévio sobre as atividades dos jornalistas da emissora. (Veja aqui comentário em inglês sobre o caso, pelo jornalista espanhol Pepe Cervera: http://www.portada-online.com/article.aspx?aid=8592 )
Os jornalistas da casa protestaram e o assunto veio à tona no dia 22 de setembro, passando a repercutir no Twitter. Em seguida, o que ocorreu foi uma dessas mobilizações instantâneas virtuais que as redes sociais permitem: centenas de jornalistas de vários veículos e tendências diversas começaram a difundir e criticar a iniciativa do Conselho através de milhares de tuítes, questionando seus interesses e a sua legitimidade, não obstante sua legalidade, até atingir os partidos implicados e suas lideranças. O tuitaço colocou o assunto na imprensa pôs em questão o respeito dos partidos políticos pela independência jornalística da emissora pública. A pressão aumentou quando as rádios, no dia 23, ampliaram ainda mais a ressonância da polêmica.
Os representantes dos principais candidatos às eleições foram interrogados através do Twitter, e de pronto manifestaram sua discordância da decisão do Conselho, indo de encontro aos conselheiros que são politicamente nomeados. Uma reunião de emergência foi convocada e os conselheiros reverteram a decisão – apenas um deles se demitiu depois do caso: o representante do sindicato das Comissões Trabalhadoras, que se abesteve na votação da medida de controle que gerou a polêmica. Os demais conselheiros permanecem nos cargos mesmo depois de publicamente desautorizados pelos partidos que os nomearam. Depois disso, não há como duvidar da capacidade plítica das redes sociais.
A OCUPAÇÃO DA PRAÇA MUNICIPAL EM SALVADOR
O megafone coletivizado...
A internet é uma rede de pessoas – é importante ter isso em conta. Não se trata de um universo meramente virtual. Eu participei da manifestação, conheci pessoas, discutimos ideias, discordamos e concordamos. Houve um fórum público informal, com propostas concretas, tais como: criação de estruturas autogestionárias de contra-poder, com vistas a fortalecer o controle sobre o poder político vigente na esfera local, e de discutir e implementar ações efetivas e soluções alternativas em torno de problemas sociais, através de metodologias libertárias.
Enfim, não devemos agora exigir resultados imediatos das mobilizações, nem mesmo julgar sua eficácia e suas formas de atuação e acontecimento: devemos participar visando o processo e não os resultados – dado o difícil contexto político, social e cultural de Salvador, que não escapa ao quadro geral típico brasileiro. Trata-se do início de um processo e não do fim de um evento.
O convite está feito ao Passa Palavra: sua participação é fundamental para a ampliação e sobretudo para o fortalecimento desses processos ainda politicamente incipientes, mas de grande relevância simbólica como sementes que alguma coisa hão de germinar. Curtir e não se mobilizar é comodismo; presenciar o evento e não participar é o quê?
Por fabricio kc
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*Citei o PT como provocação pois, embora eu seja um crítico do partido (cujo poder afastou-se das bases e passou a se concentrar na cúpula) constitui o mais importante partido do Brasil, historicamente e, claro, atualmente.
P.S: Post relacionado – em outro momento, comentei artigo do Passa Palavra relacionado ao mesmo tema deste post, em “nem esquerda, nem direita, nem fora do eixo! Ivana Bentes e o artigo do Passa Palavra” (clique aqui para acessar o post).
Colocou adequadamente. Penso apenas que não devemos tratar movimentos em rede como embrionários, para não dar a ideia de que seu futuro é se tornar uma dessas organizações com hierarquia vertical e com um programa a ser cumprido. Na minha opinião os movimentos autogestionários são o exercício concreto e imediato da democracia direta, da liberdade e de outros objetivos que os "movimentos organizados" sonham e prometem. Muitas organizações eliminam a liberdade dizendo defendê-la, centralizam dizendo buscar a democracia. Seu texto contribui para pensarmos nessas coisas. Acho que a articulação em redes (não necessariamente as virtuais, mas inclusive elas) permitem a realização do respeito, do ouvir, do deixar fazer e deixar ser o que quiser. A maior transformação que pode acontecer é a construção do respeito e da tolerância, por via do diálogo. Infelizmente, muitas formas de poder organizado estão enxertadsa com a semente do sistema que dizem combater. Os líderes, intelectuais e vanguardas que não tem obtém eficácia em suas atividades, ficam atônitas diante do movimento espontâneo das massas. Logo querem lhes incutir consciência e construir mais um curralzinho. Por isso tentam grudar rótulos nos movimentos coletivos auto-organizáveis, buscam defini-los de modo a preservar a coerência de seu mundo conhecido . Em grande parte, sentem-se tão ameaçados (e de fato estão) como os Estados capitalistas modernos, de democracia representativa alienadora da participação coletiva. Não podemos criar mini-tiranias sob capa de movimento social. Cabe dizer: deixe-nos ser o que quisermos e vão cuidar de suas vidas, sigam o seu programa. A gente se encontra lá adiante, na sociedade justa e na bondade humana. Que cada um siga seu caminho, com a liberdade de escolher quais pedras colocar nos próprios pés.
Finalmente, Fabricio, acredito que o diálogo é o elemento mais importante neste processo. Seu texto contribui neste sentido.
Muito bom Rodrigo! Concordo com seu comentário e com os alertas que ele traz.
Escrevi ess etexto para uma cisrcunstancia muito específica, um contexto bem localizado e pontual que aconteceu em salvador, mas buscando abarcar temas amplos a partir desse contexto. Mas o seu comentário complementa o meu texto e faz as críticas certas, quanto aos "movimentos embrionários". Realmente, são movimentos, e quanto mais incertos melhores...
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