De modo geral, acho que o preconceito está enraizado na ignorância _ou na preguiça de pensar, porque contestar dá trabalho. No que tange a arte (porque esta discussão serve para praticamente tudo, mas vamos direcionar melhor o foco), sou contra preconceitos de gênero: não acho que a comédia (no cinema, lembremos de Lubitsch, Preston Sturges, Jacques Tati, Leo McCarey, Chaplin etc.) ou o melodrama (Visconti, Douglas Sirk, Nicholas Ray, Emilio Fernández e outros _entre eles Chaplin e McCarey, de novo) sejam menores do que a tragédia _como repetem na imprensa e algures alguns papagaios, baseados em cânones duvidosos, porém aparentemente perenes. Assim como não acho que a poesia seja necessariamente melhor do que a prosa. Ou de que o jazz seja melhor do que o samba. Ou que a arte dita “erudita†seja automaticamente melhor do que a “popular†_e vice-versa. E por aà vai.
Tenho grande apreço pela arte como expressão de tudo que é humano (e não só do que é “beloâ€, mas não vamos entrar em Estética) , e não vejo por que limitá-la. Discursos na mera base do “isto é bom, aquilo é ruim†ou “isto é certo, aquilo é errado†me soam como um atentado à liberdade do artista e à diversidade da vida, um exagero de arbitrariedade que não considero bem-vindo.
Na área do cinema, à qual venho me dedicando nos últimos anos (após passar por várias outras, principalmente a literatura), mas ainda como iniciante, além destes preconceitos de gênero (ou do “erudito†_ou “cult†ou qualquer outro rótulo diluidor e limitante_ versus “popularâ€), existem uma série de outros. Um deles é a valorização (muitas vezes automática e irrestrita) da tal da “pesquisa de linguagem†(ou “experimentalismoâ€) em detrimento de um formato clássico (“tradicionalâ€).
Mas quem defende este tipo de idéia (em geral no nicho do curta-metragem, talvez porque o formato não tenha “apelo comercial†_mas isto não é meio covarde? E não se pode “experimentar†num longa sem ser exceção só porque o “povo†_uma minoria, talvez a tal da “elite†_não da tropa_ que nosso presidente insiste em criticar, apesar de fazer parte dela_ paga pra ver?) não define direito o que é, afinal, “experimental†(que já virou rótulo a ponto de existir categorias em festivais que os premiem). Por acaso é um projeto não-narrativo? (Se for, o nome da categoria não poderia justamente ser “não-narrativo†ou “poético†ou algum outro menos frouxo?) Por acaso é algo que use de novas tecnologias _e não seriam elas mesmas “experimentaisâ€, ou mais experimental é resolver fazer um filme mudo e em preto-e-branco com uma câmera pinhole em pleno século XXI? (Mas aà sucessos populares como “A Bruxa de Blair†e os “Star Wars†do George Lucas não seriam tão “experimentais†quanto os cults “O Mistério de Oberwald†do Antonioni ou o “200 Motels†do Frank Zappa?)
Outro clichê que vejo e ouço reproduzido por aÃ, aparentemente sem muito critério, é o da busca por um “cinema puro†(essa história de pureza me lembra o “Mein Kampfâ€, brrr!). Este cinema “puro†seria aquele que “se libertaria dos grilhões da literatura e do teatroâ€, algo assim. Só que esta idéia (ou melhor, a defesa de que “assim é bom, assim é certoâ€) é que me parece um grilhão. Como meio audiovisual, creio que o cinema pode muito bem trabalhar imagem e texto, em um formato dramático-narrativo, aristotélico (que não envelheceu nem um pouco, justamente porque contar e ouvir _ou ver_ histórias é algo básico na experiência humana; básico, porém sofisticadÃssimo), sem ser necessariamente menos interessante do que obras que investem no estÃmulo sensorial de seu espectador ou em associações poéticas também sofisticadas, com conceitos pertinentes e muito bem formulados (eu adoro videoarte, a vanguarda francesa dos anos 1920, o Buñuel, a Maya Deren, o Julio Bressane, o David Lynch, filmes como “Caramujo-Florâ€, do Joel Pizzini etc.).
Acho curioso que, ao mesmo tempo que é dito que Eduardo Coutinho é o maior documentarista brasileiro (acho fascinante o trabalho dele com a palavra), também corra por aà que seu cinema seria “chato†ou “antiquado†porque se resumiria a “talking headsâ€. Os vÃdeos documentários que eu fiz não contêm palavras (são espécies de “sinfonias da metrópole†_embora nem todos tenham sido feitos em grandes cidades), mas também não concordo quando um dos cineastas que mais admiro (são dezenas), Alfred Hitchcock, diga numa entrevista que acredita que o diálogo num filme deveria se limitar a um ruÃdo _também acredito que esta regra do “show, don’t tell†deva ser relativa, nunca absoluta. Em certo ponto de “Adaptaçãoâ€, Charlie Kaufman e Spike Jonze ironizam a crÃtica que o “guru dos roteiros†Robert McKee faria ao uso de narração no cinema, como se um bom texto lido em um filme fosse demérito _e se fosse, um filme como “Palavra e Utopiaâ€, do Manoel de Oliveira, não seria a maravilha que é.
Estou rascunhando este texto com rapidez, deixando as idéias fluÃrem, e não sei se estou me expressando bem (não vou fazer uma revisão nem reescrevê-lo, o tempo urge _mas prometo dar uma olhada nos comentários durante o perÃodo de edição e discutir mais e melhor se os leitores desejarem). Tendo dado uma pincelada no problema (que é um iceberg), devo relevar o motivo de estar escrevendo isto, hoje.
Em 2003, mais de dez anos depois de ter feito meu primeiro vÃdeo, escrevi um roteiro de curta-metragem que foi filmado no ano passado, em pelÃcula de 16mm, e que finalmente vai estrear, no próximo domingo (25 de novembro, à s 15h, no Teatro Nacional Claudio Santoro, com reprise no dia 26, no Centro Cultural Banco do Brasil), durante o 40º Festival de BrasÃlia do Cinema Brasileiro (o filme passa em São Paulo em dezembro, dentro da 21ª Mostra do Audiovisual Paulista). O desafio a que me propus foi o de conseguir, no espaço exÃguo de tempo que o curta oferece (este ficou com menos de 14 minutos), criar, além de um filme, uma peça dramática que contasse uma história com começo, meio e fim (também há muito preconceito com esta progressão temporal natural, embora a maioria dos filmes que busquem fugir dela apenas embaralhem a ordem de apresentação dos fatos _claro que há exceções notáveis, como “O Ano Passado em Marienbad†e outros), com personagens arquetÃpicos (de acordo com uma tradição cômica que funciona desde a aurora da humanidade), com múltiplos nÃveis de conflito, alguma metalinguagem e que fizesse referências a questões da contemporaneidade. Algo que eu raramente vejo nos festivais de curtas, que acompanho fervorosamente há muitos anos.
Dos trabalhos que fiz, é o filme que mais se apóia nos diálogos _embora cada cor, objeto, figurino, música, posicionamento de câmera etc. tenha sido minuciosamente pensado _é o meu trabalho mais racional, até porque em sua gênese é um projeto acadêmico. Apenas estas questões formais já estimulam minha curiosidade a respeito da recepção do filme no contexto de um festival (já que o pensei também como uma forma de comunicação com o público leigo, talvez acostumado e acomodado demais com os formatos propagados pela dramaturgia televisiva _embora fazê-lo chegar a este público seja dificÃlimo), mas faltou falar que ele, além de ser uma comédia (sem evitar o ridÃculo, o patético, o grotesco, o vulgar _tudo é humano), enfoca personalidades ligadas ao cinema brasileiro mais popular _no caso, as famigeradas “pornochanchadasâ€, muito vistas por muitos e muito mal-vistas por poucos. Quando o público dos festivais vir Carlo Mossy vestido de Papai Noel e falando “puta que pariuâ€, qual será a reação: choque, indiferença, desprezo, risadas ou aplausos? E os jurados, o que pensarão? “Ousadoâ€? “Toscoâ€? “Irônicoâ€? “Estúpidoâ€? Estou louco para descobrir.
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Desculpem! Foi necessário!
Grande abraço!
Lailton Araújo
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