Biografia para Nelson Gonçalves

Divulgação
Nelson teve uma vida aventuresca
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Elefante Bu · Brasília, DF
15/9/2009 · 34 · 1
 

*Esta matéria foi publicada originalmente no zine Elefante Bu

A série global até que segurou a onda, mas o diretor Jayme Monjardim soltou o verbo contra representantes da bossa nova. Que aquela geração deu as costas e, de certa forma, sacaneou aqueles que vieram antes com a tradição do samba-canção, do bolero, da música de dor-de-cotovelo. Com isso, eles cometeram algumas injustiças históricas. Elizete Cardoso foi a primeira a gravar uma canção de João Gilberto e não é reconhecida. Maysa popularizou O Barquinho na Europa, mas quem lembra? Os grandes ídolos dos precursores da bossa, Dick Farney e Lúcio Alves, foram esquecidos. Vicente Celestino, Francisco Alves, Orlando Silva, Herivelto Martins, Dalva de Oliveira, Ângela Maria e tantos outros foram ao limbo. Nelson Gonçalves também seria esquecido se não fosse um recordista de vendas.
“Foi como o Lobão mesmo disse, e eu concordo, que Nelson Gonçalves foi a última voz masculina o Brasil. O resto é tudo mulher. Ele é um cantor que vem da linhagem de Orlando Silva, dos grandes cantores do rádio, de uma época que foi muito esquecida por causa da bossa nova. Acho que a bossa enterrou um pedaço da história do paísâ€. A afirmação é de Cristiano Bastos, jornalista colaborador da Rolling Stone, do Jornal de Brasília, e também provável autor da biografia Nelson Gonçalves – O Rei do Rádio, co-escrita pelo também jornalista Fábio Ilha.
O “provável†diz respeito à captação de recursos necessários que a dupla necessita para levar o projeto adiante. Uma vez com o dinheiro na mão, os dois estarão livres para dedicar-se integralmente, ao longo de um ano, na pesquisa da vida e obra de Nelson. A previsão é que a biografia possa ser concluída em 2010. “O livro que a gente pretende fazer é contar a história, e não fazer julgamentos do que foi bom ou ruim. Quero mesmo é poder falar deste patrimônio brasileiroâ€, e emenda na crítica “é que há uma inversão de valores no Brasil. Com a morte do Michael Jackson a gente viu isso: os valores nacionais estão abaixo do estrangeiro. Por isso que gostaria tanto de poder contar essa históriaâ€.

Bala na Agulha

Cristiano Bastos tem experiência suficiente para entrar em projeto de tal grandeza. Jornalista experiente, foi co-autor do livro Gauleses Irredutíveis: Causos e Atitudes do Rock Gaúcho, além de grandes reportagens e entrevistas para diversos meios de comunicação. Sua produção escrita mais evidenciada foi publicada na revista Rolling Stone, entre elas entrevista com Zé Ramalho, reportagens sobre João Donato e Raul Seixas – esta última foi capa da edição de agosto deste ano. Atualmente produz o documentário Nas Paredes da Pedra Encantada, sobre o disco antológico Paêbirú, de Zé Ramalho e Lula Côrtes. Em outras palavras, é um sujeito afeito às grandes reportagens e não teria o menor problema em desenvolver o projeto sobre Nelson Gonçalves.
Na verdade, a vida e a obra do cantor não é algo novo em sua vida. “Há algum tempo. Eu tinha uma curiosidade jornalística sobre Nelson Gonçalves, embora não o conhecesse de uma forma não muito aprofundada. Daí, no final do ano passado, sugeri uma matéria na Rolling Stone sobre ele. Coincidentemente o lead acabou sendo o fato de que estava completando 10 anos de morte e ninguém, até então, havia se lembradoâ€. A reportagem sobre Nelson foi publicada não apenas na Rolling Stone – “O Cantor do Brasil†– como também ele teve condições de escrever uma outra para a revista Aplauso, de Porto Alegre, editada por Fábio Ilha.Foi nesse período que ele decidiu aprofundar-se na vida e na obra do grande boêmio. “Nunca tive preconceito com o tipo de música e sempre o achei, acima de tudo, um grande personagem. Mas não havia deparado com a obra profundamente. Quando fiz isso, descobri porque o cara tinha tanto magnetismo que exerceu durante os 60 anos em que cantouâ€.
Outro fato interessante m relação a iniciativa de Bastos e Ilha é que Nelson Gonçalves não tem uma boa biografia. A que existe, A Revolta do Boêmio – A Vida de Nelson Gonçalves, escrita por Marco Aurélio Barroso em 2002, não é autorizada pela família. O que esse livro traz, em resumo, é a “desmistificação†do personagem. Enquanto Bastos afirma que o cantor gravou mais de 2 mil canções, Barroso, em seu livro, diz que foram 869 (até Francisco Alves gravou mais). Fora que o cantor nunca conheceu Frank Sinatra, que foi explorado pelas mulheres da zona e não o cafetão, que nunca foi nocauteado por Eder Jofre e que era um cara que batia em suas mulheres e não pagava pensão aos filhos. “O Nelson inventou um personagem que cabia muito bem nas necessidades da imprensa, era um típico caso de me engana que eu gosto para os dois ladosâ€, afirmou Barroso no livro. Outra crítica dura que o cantor encarou ao longo de sua carreira foi de ser um “mero imitador de Orlando Silva.
Taí uma missão complicada para Bastos e Ilha no processo que será de desmentir os desmentidos. Para tal missão, Bastos diz que o princípio da pesquisa está nas próprias reportagens que fez sobre o mito. Outra questão importante será ter acesso a todo acervo original, mesmo sabendo que é possível fazer o download de todas as músicas. Também vai pesquisar em todos os jornais em busca de matérias sobre o cantor ao longo de todos esses anos. “Estive no Rio de Janeiro e conheci a Marilene Gonçalves, que é filha legítima dele e autora do livro O Canto Que Me Embalou – Poemas Para Meu Pai, Nelson Gonçalves. É que ele tem uns oito filhos, mas apenas dois são legítimos. E ela está dando o maior apoioâ€. Bastos ainda pretende entrevistar o maior número possível de pessoas que esteve com ele, incluindo os grandes nomes da MPB. “Entrevistei o Roberto Luna que era amigo de farra dele. Pery Ribeiro, que é filho do Herivelto Martins é uma boa fonte. Tem o Cauby Peixoto e um monte de cantores famosos que gravaram com ele naquele disco de duetos. E tem um monte de histórias. O nome da Maria Bethânia foi por causa de uma música dele que o Caetano ouviu no rádio e achou bonitaâ€.
Outro objetivo que Bastos gostaria de alcançar com a publicação da biografia é despertar a juventude para um tipo de obra e música que a moçada de hoje não ouve e, de certa forma, até menospreza. “A verdade é que a bossa nova desperta muito mais interesse. Mas o Nelson foi jovem um dia. Ele encantou uma juventude, isso não dá para renegarâ€, e completa “Camisa de Venus gravou duas músicas do Nelson Gonçalves: Negue e Enigma. Negue, para mim, nem é um bolero, mas uma música gótica. Quando ouvi o Nelson Gonçalves, achei que muitas das coisas eram darks, coisa meio suja, nova iorquinaâ€. Bastos defende que há muita gente jovem que gosta dos boleros e tangos do boêmio. Alfineta ao dizer que quem não gosta e não dá valor são aqueles que formam opinião.

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Fábio Cavalcante
 

Mas por que "até" Francisco Alves gravou mais? Como se ele tivesse gravado pouco... Pelo que já li, o Chico foi o cara que mais gravou no país - agora ultrapassado pelo Nelson, segundo Bastos. Ou não é?

Legal a iniciativa, adoro o Nelson e adoro biografias. Tomara que o projeto se realize.

Fábio Cavalcante · Santarém, PA 16/9/2009 13:24
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