Meras considerações sobre a sociedade brasileira

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O de Andrade · Alemanha , WW
30/4/2009 · 2 · 0
 

Meras considerações sobre a sociedade brasileira contemporânea ou simplesmente; discordo!

Cada vez mais me vejo lendo mensagens de pessoas ditas “esclarecidas” de inegável eloqüência – diga-se de passagem, que me espantam!Todas com um ar de sarcasmo perante acontecimentos sociais ou políticos e uma linha de raciocínio, que culpa o povo brasileiro pela situação sempre “lastimável” apresentada pelo autor anônimo.

Nessas mensagens, que têm sempre um tom, que lembra um pouco as “antiquadras” cartas ao povo, enumera-se fatos e acontecimentos como verdades indubitáveis – na verdade meros e banais estereótipos – para depois “desmitificá-los” e trazer à luz a dura verdade, que a maioria, quase sempre considerada ou tratada como ignorante, iletrada e incompetente não vê, não consegue ou não quer ver.

Nas entrelinhas de tais mensagens entrevejo um grande desrespeito pela cultura democrática ainda a se estabelecer e a se desenvolver por nossas terras. Democracia é um processo, não há uma receita ou fórmula mágica. Nehuma das muitas que existem hoje em dia no mundo é igual a outra. Cada regime tem suas características específicas variando de nação para nação. O único vínculo incontestável é a soberania do voto popular. Claro, que a liberdade de expressão e de imprensa bem como a transição de poder constituem, entre várias outras, partes fundamentais e indispensáveis de uma sociedade, que reclama para sí a qualidade de democrática.

Também faz parte de uma boa cultura democrática o diálogo entre diferentes pontos de vista. Mas esse deve acontecer dentro das estruturas e condições oferecidas pelo regime democrático vigente. Digo vigente, pois este pode e deve – quando necessário e legitimamente aceito - ser sempre aperfeiçoado para se adequar a realidade social de um país. Desmerecer a democracia com o argumento de que “o povo não sabe votar” é nesse caso algo tão absurdo como discutir a santa trindade com um ateu. O ato de votar não é algo que se aprende ou que pode ser classificado como certo ou errado. Ele representa uma decisão soberana e incontestável – desde que respaldada pelos meios legais – da maioria. Dizer que o povo é “otário” por eleger um presidente democraticamente, seja lá quem for! É algo absurdo e sobretudo perigoso! Ninguém é obrigado a concordar com o resultado de um pleito, mas julgá-lo “errado” e “ inaceitável” já é uma atitude anti-democrática e de teor autoritário. É simplesmente desrespeitar o “as regras do jogo democrático” quando o resultado não é o que se considera o melhor.

Exigir de um mero governo – temporaria e politicamente limitado, que resolva o problema da pobreza, ignorando que esta tem sua origem na estrutura desigualitária da nossa sociedade já existente por sua vez, bem antes da idéia de uma nação brasileira - é uma atitude no mínimo ingênua. Temos uma estrutura social, que sobreviveu a todos os períodos históricos do país. Nunca foi alterada e permanece óbvia e inabalável como uma “lei natural”. Sempre se ouve alguém almadiçoando a desigualdade social e sua mais clara conseqüência; a grande concentração de renda nas mãos de poucos. Mas pouco se ouve como resolvê-la. Há sempre uma cobrança de que o Estado e o governo faça algo para “amenizar” a situação dos desfavorecidos.

Estado esse que é mantido pelos impostos pagos por aqueles, que têm o “privilégio” de possuir o suficiente para não depender da ajuda precária do Estado e o “azar” de não terem tanto para se tornar “imunes” ao fisco. As pessoas que se encontram nessa situação pertecem a tal classe média. Uma posição intermediária e muitas vezes desconfortável entre a imensa pobreza e a cada vez mais exclusiva ilha de riqueza existentes no Brasil.

As demais conseqüências deste “status quo” parece invisíveis aos autores de tais textos supostamente esclarecedores.

Eu gostaria de ressaltar aqui o aspecto singular das últimas eleições presidenciais. No ano de 2006 fomos testemunhas, em sua boa parte, ativas, de uma mudança nas linhas tênues, mas historicamente fixas, que demarcavam o poder político entre as classes sociais desse país. Até então a sociedade brasileira conhecia apenas algumas poucas e claras “leis” sobre o peso político das classes, que a constitui. Cabia segundo essa lei estabelecida há tempos tidos como indefinidos, à classe alta o papel de fornecer uma candidato formado nas boas escolas de sua elite, á classe média escolhê-lo como presidente da República e à baixa aceitá-lo como o seu mais legítimo representante. Desde 2002, quando Lula foi eleito abrindo por assim dizer, uma “brecha” na “ lei natural da origem dos líderes políticos” deste país, percebe-se exatamente entre a classe média, outrora sua mais fiel companheira, um desconforto indisfarçável perante um presidente, que não repersenta bem nem ela nem as tão admiradas elites seja intelectual, econômica ou política. Um mal-estar crescente invadiu as cartas dos leitores dos jornais, os comentários das notícias na internet, os blogs...no ar passou a pairar o fantasma da “maioria absoluta”. O presidente pela primeira vez passou a falar para o povo na linguagem que esse entendia. Exatamente por ser ambas a mesma. Enquanto a elite econômica viu-se obrigada a “aproximar-se” do presidente “popular” e isso com sucesso. A classe média se distanciou, preferiu resguardar as suas semelhanças culturais e políticas com as classes abastardas. E sobretudo começou a sentir “saudades” da época em que o país tinha como presidente um intelectual de renome internacional e não um operário metalúrgico, que deve a sua carreira política ao seu empenho nas lutas do sindicato da categoria.

Muitos deram para antever o cenário político em que nos encontramos no momento.

Em poucas e rápidas linhas; nunca tivemos uma eleição tão polarizada regional e socialmente. O estados historica e economicamente favorecidos contra os desfavorecidos, a classe média desolada e pela primeira vez nas urnas reduzida a sua real dimensão numérica e abandonada pela elite econômica contra a maioria pobre e desamparada, mas como sempre, esperançosa de que algo possa vir a melhorar. Para eles não existem certezas, perante todas as incertezas que os rodeiam no dia-a-dia, por isso reeleger Lula foi visto por muitos, mesmo que velado, como um ato de alto teor político, a chance de manter no poder alguém do “povão” independente da eficiência e da veracidade de sua política e no cumprimento de suas promessas em prol dos mais necessitados. Ele fica, pois a maioria assim o decidiu.

Seria essa consciência de maioria numérica da classe baixa que incomoda tanto? Exatamente aqueles que não pagam impostos por não terem condições de fazê-lo, mas que ao mesmo tempo vêem-se obrigados a utilizar os serviços precários do Estado, passarão a decidir os rumos políticos do país? Seremos um país governado por uma maioria de iletratos, mal-(in)formados e (sub)empregados?

Quem tem medo do povo?

Aqui mencionado na acepção de maioria legítima e incontestável dos membros de um país e despido dos brios populistas, que pairam sobre o continente americano de extremo a extremo. E se assim o for, não estaríamos dentro das regras democráticas vigentes?

Claro, que só o tempo poderá dizer se o que aconteceu nessa eleição para assombro da classe média virá a se repetir. Pode ser que nunca mais se repita, pode ser que se torne lugar comum.

A distância não só física, mas também cultural entre o subúrbio e os bairros de classe média já foram “demarcadas”. Até as mídias já descobriram isso e “adaptaram” ou criaram programas não só voltados, como antes, mas com o enfoque e a visão centrada na perspectiva da classe baixa e sua realidade cotidiana. Se eu fosse um cientista político recalcado – como muitos dos que escrevem artigos para os grandes jornais do país – até arriscaria a dizer que se trata aqui de um fenômeno advindo do amadurecimento do processo democrático. O dia-a-dia da maioria da população retratado na TV aberta e gratuita, acessível a praticamente todos.

Mas como não o sou, arrisco apenas afirmar, que em tempos de TV a cabo, digital, via satélite e Internet a classe média não pode perder o seu tempo assistindo o “feijão com arroz” da programação tupiniquim, que outrora fora sua melhor propaganda. Agora, é a classe baixa que consome os programas da TV chamada “aberta”. E desde que os produtores perceberam esta realidade passaram a enfocar os gostos, hábitos e falares dessa classe, antes praticamente ausente ou simplesmente apresentada de forma caricaturada. O “bom tom” da classe média se faz cada vez mais baixo perante o “português ruim” dos malandro e dos mano e seus “maus modos” suburbanos, que acabaram tomando conta do pedaço!

Tal fenômeno vem se firmando de forma mais intensa há anos na indústria fonográfica nacional. O “bom gosto” musical da classe média e sua MPB – de indiscutível excelência, diga-se de passagem - passaram a perder terreno para as músicas mais “populares” e de gosto mais duvidoso. O interessante é que até mesmo a classe média passou a consumir o que muitos no início insistiam em rotular de “MPQ - música de péssima qualidade”. Do pseudo “sertanejo” (re)vestido de pretenso country passando pelo Axé “glúteo” temporão, o forró “universitário”, o brega forçado e o involuntário, o forró-pop-brega “esculachado” nortista até o RAP apático e o Funk mau caráter suburbanos. Parece qua a premíssia do “ quanto pior melhor” passou a reger as estratégias de marketing das grandes gravadoras. Afinal, quem manda é o mercado. O que vende vale a pena!

Esses são aspectos claros de uma mudança na forma de representação das classes sociais no país. A classe majoritária passou a ser mais representada, mas não por iniciativa própria, mas sim por consentimento.

E será que quem consente se cala?

De qualquer forma esse já é um tema para um outro longo texto...

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