Ao preencher a sala da galeria Espaço Imaginário com uma série de “caixas†que imediatamente invertem um pouco da lógica dos mosaicos (técnica de construção de imagens a partir de uma destruição ou do aproveitamento de sobras de determinados materiais), o artista plástico Claudio Cambra nos transporta sem aviso prévio, a um universo onde a sacralização dos fragmentos é apenas mais uma pequena peça que se estende no complexo tabuleiro do jogo de referências extemporâneas.
Seus “quadros-caixas†são um hÃbrido composto por uma série de objetos, arqueologicamente selecionados. São objetos do mundo que funcionam como peças de um jogo pertencentes a um imaginário mÃtico maior. Verdadeiras ambivalências pulsantes que se completam com formas e forças duplas, assim ganhando designações como: objeto-cor, jogo-objeto, quadro-caixa, mas acima de tudo são peças.
Peças vivas que procuram retirar o observador de seu próprio alheamento desafiando-lhe a imaginação no embate a um universo sÃgnico contido nas imagens recém formadas a partir da reorganização dos fragmentos, dos cacos.
Com trabalhos que brotam a partir de um fundo composto por uma colagem delicada de papel picado branco, o artista nos fornece "massa crÃtica" com potencial para infinitas fusões semânticas. A abordagem do mundo oriental contrasta com inúmeros fragmentos de louça encontrados na cultura ocidental, resultante da
pesquisa singular feita pelo artista, que por diversos anos coletou parte do porcelanato encontrado na Ilha do Fundão, e que foram descartados pela BaÃa de Guanabara, por conta da atividade contrabandista. Esse material exaustivamente utilizado e que pode ser infinitamente sobreposto, tem infinitas nacionalidades. Não existe uma unidade, nem pureza, o que existe é uma espécie de mosaico que integra várias culturas e várias épocas, ou seja, a fusão é total e atemporal e se completa no encontro com a imagem de um São Sebastião cercado de uma exuberância luso-eclesiástica, própria de um imaginário brasileiro pós-colonial.
Vez por outra, somos interpelados por objetos do nosso cotidiano, como fica claro na presença dos botões, dos selos postais, de pedaços de caneta nanquim, das bolas de gude, do pedaço de vidro, da chapinha, da malacacheta, entre tantos outros fragmentos do mundo, que compõem de maneira equilibrada, tons, brilhos e formas e que, por fim, buscam tão somente o prazer estético na meditação: perecÃvel x durável. Há um sentido poético que nos induz a descortinar, por repetidas vezes, a presença de uma ode infinita à exuberância, a um luxo perdido, a ornamentos esquecidos que pertencem a outras culturas, de outras paragens, muito distantes e ao mesmo tempo ao nosso alcance e de nossa experiência cotidiana.
Nesta viagem a que somos transportados pela obra do artista, encontramos as descrições de Baudelaire e de Delacroix sobre o oriente, sempre coberto por uma bruma do desconhecido, do estranho, uma realidade refinada pela (im)perfeição do ópio.
A função de artistas-poetas, iconólatras e ao mesmo tempo iconoclastas como Claudio Cambra, Farnese de Andrade, Xavier da Concha e Bispo do
Rosário é a de re-introduzir no mundo, através dos desÃgnios de um catador de sonhos sonhados, os objetos que são incessantemente produzidos pelo sistema e que são incessantemente descartados, quebrados e fragmentados pela sociedade.
Renata Gesomino
Doutoranda na linha de História e CrÃtica da Arte pelo PPGAV-UFRJ.
Rio de Janeiro, Junho de 2010
A exposição de Claudio Cambra pode ser vista na Galeria Espaço Imaginário, de 16 de junho a 09 de julho de 2010.
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