O dia em que ele resolveu não aceitar mais fiado

Divulgação
Cena da peça em cartaz no Teatro X (só coube de lado)
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Fabrício Muriana · São Paulo, SP
15/6/2007 · 87 · 1
 

Vejo a estrutura escolar dos Estados Unidos como a grande escola de serial-killers do nosso tempo. Na terra dos hambúrgueres (como ensina o Pasquale), existe até ranking dos maiores massacres no instigante ambiente escolar americano. O último foi perpetrado por Cho Seung-Hui, sul-coreano doidão que matou 32 pessoas em Virgínia Tech e, vejam só, tinha duas peças de sua autoria quando se matou. Cho, infelizmente, teve meios de concretizar seus sonhos. Tornou-os reais. Rubem Fonseca fez da sua literatura a concretude dos crimes que concebeu.

Ok,ok, não dá pra dizer que Rubem Fonseca e Cho tenham mais paralelos que diferenças, mas dá sim pra dizer que em ambos, em algum momento, brotou um fascínio pela morte. Em Rubem, esse fascínio se transformou em crítica social. Em Cho, acabou em massacre.

Todo este prólogo é pra compreender que existem muitas formas de representar e fazer uso da morte e da violência num espetáculo. No caso de O Cobrador, em cartaz no Teatro X, esse uso tendeu para um certo realismo bizarro/grotesco, que tem seu valor, mas parece que não vai até seu limite na montagem. Se a proposta era fugir do simbólico, as cenas ficaram realmente bem literais. Isso quer dizer, querido leitor, que você pode ficar procurando sentidos mais profundos em cada cena, mas eles não virão. Por mais cara de conteúdo que você faça.

Um serial-killer representado por dois atores é o personagem central da montagem. Ele resolve cobrar tudo que não tem. Quase como os seqüestradores do repórter da Globo, que resolveram cobrar na forma mais hedionda, o meio de expressão que nunca tiveram. Este personagem não seqüestra, mas estupra e mata para cobrar o que acha seu por direito (a lista é grande, não me lembro de tudo, vale assistir pra lembrar).

O que não me deixa compreender o realismo da peça são os elementos que estão na forma do espetáculo; luzes laterais são uma alternativa fantástica para demonstrar as várias facetas do personagem; o cenário em forma de prédio nos remete a esse ambiente urbano-carioca onde age o cobrador; a trilha se faz por vezes com sons dos próprios objetos de cena, fazendo deles parte do ambiente da peça. Tudo isso seria melhor aproveitado se a montagem tivesse mais simbologia.

O discurso do cobrador é questionável na medida em que se torna uma violência desmedida. No início, ele segue uma espécie de código ético, de acordo com o qual só cobra quem realmente deve muito, por ter tido muito durante a vida toda. Tal ética, entretanto, perde a lógica quando ele se relaciona com uma das que devem ser cobradas.

Constato, enfim, que se lá entre os irmãos da América do norte, a própria escola é o ambiente propício para a criação de serial-killers, aqui podemos ter exércitos de cobradores pelas ruas, se a ficha destes cair em algum momento. As formas de cobrar podem ser muitas. O Cobrador nos apresenta a mais trágica delas.

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Fabrício Muriana
 

Originalmente publicado na Revista Bacante.

Fabrício Muriana · São Paulo, SP 12/6/2007 11:30
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