Ir ao encontro de pontos de cultura do estado, a Teia do Rio de Janeiro, é a oportunidade de visualizar qual é a dimensão dos trabalhos que estão sendo realizados, suas ligações e seus desdobramentos. No belÃssimo prédio Gustavo Capanema se encontraram os participantes vindos da Rocinha, de Vassouras, da Baixada Fluminense, de Niterói e vários outros pontos do estado. Foi o encontro da dança, da música, dos jogos lúdicos. “Essa é uma grande oportunidade da rede se reconhecer, poder trocar informações e se articular politicamente para avaliar e decidir sobre os rumos dos projetos dos Pontos de Culturaâ€, resumiu Caetano Ruas, do Pontão do Circo Voador.
Para conseguir enxergar por múltiplos olhares o evento que se realizou nos dias 10 e 11 de outubro, parte da equipe do Overmundo se juntou a gente de comunicação de alguns pontos, como o Pontão Digital do Circo Voador, o Viva Favela e o Campus Avançado, de Niterói, para realizar uma cobertura colaborativa. Essa cobertura usa as mesmas receitas do evento como um todo: cada um colabora com o que pode, traz equipamentos, pessoal e disposição que tiver, e assim, de pouquinho em pouquinho, forma a rede. No nosso caso, rede de informação.
Chegamos cedo para ajudar na montagem de equipamentos cedido pelo pessoal do Circo Voador. No segundo andar do prédio ficou instalado nosso pequeno QG de "imprensa": dois laptops, um computador para edição de vÃdeo, câmeras digitais de vÃdeo e fotografia. Por conta de limitações de espaço e rede – o Overmundo, por exemplo, não estava sendo acessado por lá – não foi possÃvel fazer uma cobertura em tempo real. Mas ao longo da semana devemos ter um pequeno apanhado de produções a respeito do encontro.
Com um atraso tolerável para terras cariocas (cerca de meia hora), o evento começou no pilotis do prédio com apresentação do Jongo da Serrinha. Em seguida, a oficina do grupo botou gente pra dançar e cantar com saias coloridas. Quem era do vÃdeo se espalhou pelos pilotis com suas câmeras. Os meninos do “Me vê na TVâ€, projeto do Campus Avançado, se revezavam na função. No QG de imprensa, o pessoal que se dedicaria aos textos se reuniu para pensar o que fazer. Sentimos necessidade de tratar de alguns pontos que são importantes para todos os pontos: a difusão de suas realizações, a sustentabilidade e a integração entre eles.
Muito além da capital
Dos pontos que fizeram apresentações na sexta-feira, dois já tiveram boas matérias sobre sua história aqui no Overmundo. A Associação do Movimento de Compositores da Baixada Fluminense (AMC), de São João de Meriti, e o PIM, de Vassouras. Eles foram responsáveis por boa parte da programação musical daquele dia – o primeiro com o regional de choro e o segundo, com orquestra e banda sinfônica.
Lena de Souza é uma das cabeças por trás da AMC e seus 180 alunos. Conta que nesses 10 anos de escola, viu a realidade em volta se influenciar pelos solos e acordes que são ouvidos da simpática casa com quintal. Não só pela fila de espera de gente interessada em ter aulas, nem pelos visitantes ilustres do mundo da música que recebem uma vez por mês, para uma roda com feijão. “Tenho certeza que dali vão sair músicos ótimos, mas também vão sair melhores engenheiros, melhores pedreiros, melhores carpinteiros. Porque música é sensibilidadeâ€.
Sensibilidade deve estar aliada com determinação. Apesar de ter reconhecimento nacional, a escola nunca teve apoio da prefeitura local. Ser ponto de cultura ajudou a tornar o projeto mais visÃvel e alvo de boas parcerias. Vendo a oficina do Jongo da Serrinha, ela comentava: “Vou chamar essas meninas para fazer uma oficina lá pra gente. Sempre que temos oportunidade levamos os meninos para ver outras coisas fora. Ontem fomos à lona do circo Crescer e Viver, na Praça Onze, que também é ponto de culturaâ€. Mas não é facil. “Recebemos convites para cinema, teatro, mas muitas vezes não vamos por falta de transporteâ€, lamenta.
De Vassouras, o PIM (Programa de Integração pela Música) fez muita gente parar em plena correria do Centro da cidade para ver a orquestra de jovens. O projeto, que começou em 1981 com 39 crianças, hoje tem outros núcleos em Mendes e Paulo de Frontin e alunos que se transformaram em professores ou monitores. “Quando nos transformamos em Ponto de Cultura, 90% da verba foi destinada à aquisição de novos instrumentos. O que nós observamos é que essas crianças se tornam agentes multiplicadores. É um ensinando o outroâ€, conta Célia Moreira, empolgada com o convite para um grupo de meninos tocar em Florianópolis, com passagem paga e cachê.
Integrante da rede de pontos desde o primeiro edital, de 2004, Célia é uma articuladora forte no universo dos pontos fluminenses. “Conheço quase todo mundo. A partir da primeira Teia Nacional, em 2006, criamos o fórum estadual por sentir necessidade de trocar idéias. Agora que um novo edital será aberto, nossa meta é conseguir fazer com que nossos trabalhos motivem a contemplação de novos projetos no interiorâ€.
Alguns projetos já contemplados no sul fluminense são acompanhados de perto por Célia. O Centro de Referência do Jongo de Pinheiral e o Núcleo de Cultura Popular do Quilombo São José da Serra, em Valença, por exemplo. “Tentamos virar ponto de cultura desde o primeiro edital. Mas hoje acho que foi bom o PIM ter conseguido ganhar antes, pois a Célia nos auxilia bastanteâ€, conta Tonico Canecão, do quilombo. Indagado sobre a importância de se tornar ponto de cultura, ele nem pestaneja em responder: “Graças a isso temos ligação direta com o MinC, o que é fundamental para nós que estamos longe da cidade grande. Até então éramos uma comunidade muito fechada, o que por um lado foi bom pra preservar, fortalecer nossa cultura. Agora queremos divulgar. Temos acesso a aparelhagem, cursos, apoio. Por isso, hoje temos ligação com o mundo. Já saÃmos em revistas no Japão e na França.â€
De Niterói e da Rocinha
A galera do Ponto de Cultura Campus Avançado diz que, como únicos representantes vindos de Niterói, essa é a oportunidade que eles têm de apresentar o que a ONG faz, além de se conhecer melhor e possibilitar outras parcerias. Um dos grupos mais animados era o de pessoas que estavam com um megafone. Eram meninos e meninas que participam da Rádio Megafone, o projeto mais novo desenvolvido pelo Ponto de Cultura que faz isso mesmo: rádio ao vivo, no gogó.
Em Niterói, o ponto tem parceria com o Museu de Arte Contemporânea de Niterói para exibições de filmes em um cineclube. Outro contato é com a UFF, com quem realizam um projeto de memória com os moradores mais antigos da região.
“Jovens moradores de comunidades de Niterói como Preventório e Palácio são o nosso foco com trabalhos de audiovisual e comunicação. Outro projeto desenvolvido é o Santo de Casa. Um morador que desenvolva algum trabalho manual, como fuxico ou mosaico, ensina outras pessoas. Eles recebem uma ajuda de custo entre R$150 e R$250 e as aulas são na Associação de Mulheres, no Morro do Preventório. É uma forma também de tornar o projeto auto-sustentável, já que os produtos feitos são vendidos em feiras de Niterói e são eles que decidem o que fazer com o dinheiro: dividir a quantia ganha ou investir em materialâ€, explica Camila Liporoni, que cuida do site www.campusavancado.org.br .
Uma das maiores favelas do Brasil, a Rocinha trouxe um trabalho colorido que lembra um parangolé de Helio Oiticica. E não encanta apenas as crianças. O jogo lúdico, que entre outras atribuições contam a história da comunidade, é uma forma de mostrar a importância das brincadeiras para o desenvolvimento dos pequenos.
A história do Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha começou lá atrás. O primeiro trabalho desenvolvido foi com a Brinquedoteca Peteca, criada em 1987, em um projeto proposto pelo CAMPO (Centro de Assessoria ao Movimento Popular), em uma parceria pioneira com a ASPA (Ação Social Padre Anchieta). Em 2002, a aprendizagem associada ao lúdico, fez com que uma nova parceria surgisse, dessa vez com a CIESPI (Coordenação de Estudos sobre a Infância. Hoje, como Ponto de Cultura, o Centro tem entre outros projetos desenvolvidos o Rocinha ontem e hoje: Histórias Brincantes, em conjunto com o CIEP Dr. Bento Rubião, também na favela.
“No Ponto de Cultura Centro de Cultura e Educação Lúdica da Rocinha temos artista plástico, contador de história brinquedista. Através desses jogos lúdicos traçamos um perfil histórico da favela. Conversamos com os moradores mais antigos e percebemos, por exemplo, que o carrinho de rolimã não é mais tão usado como antigamente. Através dessas mudanças podemos contar a história da Rocinhaâ€, explica Antonio Firmino, coordenador do Ponto.
Bem articulados dentro de suas comunidades, os pontos de cultura têm o desafio de se articular para fazer a rede se alimentar. A integração e a sustentabilidade foram a tônica das discussões do segundo dia do encontro, conforme conta o Thiago Camelo neste texto.
Renata Sequeira é repórter do Viva Favela e escreveu este texto a quatro mãos com Helena Aragão, do Overmundo.
Todas as fotos do texto são do Walter Mesquita, do Viva Favela, também dentro do espÃrito da cobertura colaborativa.
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