Faz de conta que tem sol lá fora é um dos Quatro Textos para um Teatro Veloz que o ator, diretor, dramaturgo e compositor de boleros de secretária eletrônica Ivam Cabral publicou no ano passado. Uma história intimista, de um casal solitário que se encontra por acaso em uma noite chuvosa de São Paulo, que nos faz pensar no quanto um espetáculo não precisa de grandes altos e baixos: muitas vezes a simplicidade e um pouco de lirismo são mais que suficientes.
Em cartaz no Espaço dos Satyros, a montagem dirigida por Aline Meyer tem no elenco Nilton Bicudo e Jerusa Franco, dois jovens atores com uma energia que transparece em seus olhares. Jerusa traz um sorriso melancólico do inÃcio ao fim do espetáculo, com gestos afobados e desajeitados como os de uma adolescente. O figurino ajuda a ter esta percepção, mas o texto não a deixa nos enganar: sua personagem está beirando os trinta. Já o personagem de Nilton demonstra mais o peso da solidão da forma como imaginamos: é mais quieto, não sabe o que dizer, não sabe o que fazer.
Esta mesma energia que dá vida aos personagens também acaba tornando o espetáculo literalmente veloz: senti falta de pausas, dos silêncios incômodos que o texto incita (ao menos a quem o lê), e sobretudo de vê-los aproveitando a oportunidade de saborear os momentos de quebra e os leves toques de humor, pequenas sutilezas que fazem diferença.
A cenografia recria um pequeno apartamento com quatro cortinas transparentes que nos incitam a imaginar as paredes e janelas, e o mundo chuvoso e escuro por trás de cada janela. E eu também teria preferido imaginar o fogo, a chaleira e o rádio que ali estavam, como uma continuação do exercÃcio de fazer de conta que até mesmo o tÃtulo incita. Teria combinado melhor com a idéia das cortinas do que por exemplo o fogo cenográfico utilizado, forçadamente falso.
E mais uma vez fecho com um parágrafo dedicado à platéia. Naquela sessão de sábado, logo na primeira cena, bastou Nilton pisar no apartamento de Jerusa para que meia dúzia de pessoas atrás de mim dispararem suas primeiras gargalhadas. Alguém se esqueceu de avisá-las de que a peça não era uma comédia, e pior: ao longo dos 50 minutos de encenação elas não se tocaram disso. Ficaram a peça toda buscando no riso sua zona de conforto, em um texto que o que definitivamente não existe é uma zona de conforto.
Publicado originalmente na Revista Bacante.
MaurÃcio Alcântara · São Paulo, SP 29/6/2007 17:10Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
Você conhece a Revista Overmundo? Baixe já no seu iPad ou em formato PDF -- é grátis!
+conheça agora
No Overmixter você encontra samples, vocais e remixes em licenças livres. Confira os mais votados, ou envie seu próprio remix!