Encaminhado nas veredas dos diferentes estudos e conceitos sobre os não-lugares, a sessão da série 3 da Mostra Foco foi marcada por uma série de registros diferenciados, que lidam com as questões do Brasil em diferentes óticas partidos dos não-lugares. Funcionalizado em outra vertente, a mulher e sua situação no paÃs em diferentes estratagemas da nação são ligados aos não-lugares, e utilizam-nos como palco para suas diferentes nuances. “Retratoâ€, “Para Poder parar o tempoâ€, “Cova Aberta†e “Canto nenhum†são as obras dessa sessão que trazem desde o cinema de gênero, nesse caso, o suspense, à experimentações formais, passando por retratos tipicamente pernambucanos e subversões dos não-lugares em teatros filmados. Mais uma pluralidade que encontra-se no curta-metragem uma existência positiva. Aquém disso, as crises é tratada nas multi-nuances estilÃsticas tratadas pelos diretores dos quatro curtas passando desde a densidade aquosa à s curvas das BRs nordestinas.
Em “Retratoâ€, Adelina Pontual indica a crise da meia idade numa ótica de uma professora de 53 anos, no dia de seu aniversário. A escolha do não-lugar se passa não pela concepção geral do termo, mas pela forma como a personagem lida com esses lugares. Estando como mãe e professora, ela é uma mulher institucionalizada, casada, que carrega o sentido perverso do aniversário, tornando para si cada lugar como um não-lugar. Ela não consegue permanecer no espaço onde vive ou trabalha, ou até onde sua própria mãe está.
Nela repousa apenas o sentido de mais 365 dias vividos e próximos à uma disfuncionalidade inerente da idade avançada. Treze anos faltam par sua aposentadoria e para o fechamento de sua contribuição para a vida da sociedade, algo que permanece como um meio de onde sairá do contexto da formação de novas gerações, algo anunciado como próximo pela perspectiva da nova idade. Além disso, num contexto imagético, há a revelação. A foto 3x4 permanece com a idade, e marcará sempre essa passagem, tornando a vida cada vez mais sombria com a aproximação da decadência, instituÃda pela figura de sua mãe.
Passando para o contexto mais literal de não-lugar, “Para Poder parar o Tempo†se insere no sentido da subversão desse contexto, tratando de transformar uma rodoviária em um lugar, com a permanência de um individuo único, carregado de nuances, mas que é universal. A personagem não se dirige a si em primeira-pessoa durante a narrativa, e se torna algo que viaja pelas bocas dos seres permanentes da rodoviária, um não-lugar, onde Marcelo Lee insere a possibilidade da vivencia. A personagem central encontra-se numa crise, injustificada por Marcelo, por não ser aqui necessário algo a mais do que a própria permanência desfigurada e as consequências e modificações que um ser permanente em um local feito para ser passageiro pode ocasionar. Essas modificações criam choques e ondas nas vidas de quem resolve assistir essa persona incongruente. E disso nasce um palco da vida, onde os diferentes personagens se transcorrem de um lado a outro da tela, todos pela ótica de alguém mÃtico, que se preocupa apenas com a terceira pessoa, ela mesma.
Numa tomada do gênero suspense, tratada com a exacerbação e a brasilidade, de maneira, no mÃnimo, corajosa, em um cinema que se renega a entrar nas latas das convenções generalistas, “Cova Rasa†ganha a força ao exercer o papel de tomar nele a sua individualidade. A crise interna de uma personagem altruÃsta encontra uma situação hitchcockiana num momento conflituoso de sua existência, que fomenta um encontro entre a incongruência de razões e motivações. Diferentemente do que o manual pede, aqui Ian Abé se propõe em realizar o suspense pelo suspense. Num tratamento do suspense em que a semelhança com “Encurralada†de Alfred Hitchcock ou “A Morte Pede Carona†de Robert Harmon é uma marca que não deixa de ser identificada logo ao iniciar o desenho da história que se desenrola nas telas. Num resumo, é a brasilidade numa crise interna que se externa em um choque entre duas culturas e que se desenrola nos desenhos desse não-lugar brasileiro, que tensiona as existências das duas mulheres, que tem que se constituÃrem enquanto base para servir de suporte para a fuga urgente, cheia de perigos eminentes que não se concretizam.
Pelo formalismo, as vontades de ir e ficar de “Canto Nenhum†tomam a tela numa existência figurativa de trejeitos formais e viagens ao centro da insuportável leveza do mar. A solidão do ser perdido nos cantos inominados ocupa a tela com seu olhar, numa moldura formalista da narrativa, que apresenta suas culminâncias sobre a vida e sua urgência de fuga. Numa vivencia solitária, Bartolomeu, marinheiro, encontra seu farol próprio, sua chance de talvez fincar raÃzes nas terras firmes, porem, a insuficiência de se sentir pleno por causa da ação corrosiva do mar incide sobre seu farol, a cantora do cabaré, e acaba revelando uma impossibilidade de se constituir enquanto estrutura, culminando numa fuga desse próprio farol, de volta para o mar. É essa permanência nos não lugares, que transformam a vida insuportável pela corrosão no ar da vida das tentativas individuais de se tornar plenos em torno do mar.
A Mostra Foco encerra seus trabalhos, travando narrativas dissonantes, numa terceira série marcada por uma desvirginação de uma série de conceitos travados em diversas nuances aparentemente firmes em suas bases de sustentação nos tratamentos cinematográficos. Assim como as outras séries, os conceitos estudados pelos cineastas são tensionados nos limites, até se provarem ou reprovarem enquanto verdades acadêmicas. Na inserção do tratamento da mulher, não-lugar e das crises internas, os cineastas dessa série se conectam e multiplicam as bases possÃveis para o tratamento de estudos antigos do cinema. É a Mostra de Cinema de Tiradentes provando novamente a pluralidade do cinema contemporâneo brasileiro.
Tiradentes, 24 de janeiro de 2013
Júlio Cruz
*Este texto foi produzido pela equipe da cobertura colaborativa do Overmundo e DF5 na 16ª Mostra de Cinema de Tiradentes.
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